O Eclipse do Pai
A complexa divisão social do trabalho, a participação das mulheres na vida pública e sua dura crítica ao patriarcalismo, e ao machismo vigente, trouxeram uma crise à figura do pai. De certa forma surgiu uma sociedade sem pai ou do pai ausente.
O eclipse da figura do pai, entretanto, desestabilizou a família tradicional. O aumento dos divórcios importa reconhecer, acarretou conseqüências, por vezes, dramáticas. Estatísticas oficiais recentes nos Estados Unidos referem que:
* 90% dos filhos fugidos de casa ou sem moradia fixa eram famílias sem pai;
* em 70%, a criminalidade juvenil provinha de famílias onde o pai era ausente;
* 85% dos jovens em prisões cresceram em famílias sem pai;
* 63% de jovens suicidas tinham pais ausentes.
A falta da figura pai desestrutura os filhos/filhas, tira-lhes o rumo da vida e debilita-lhes à vontade de assumir um projeto consistente de vida. Precisamos trazer de volta o pai.
Para resgatar a relevância da figura do pai, se faz importante distinguir entre os modelos de pai e o princípio antropólogo do pai. Os modelos variam consoante os tempos e as culturas: o pai patriarcal, tirânico, participante, companheiro, amigo. O princípio antropólogo do pai constitui estruturas permanentes, imprescindíveis para o complexo processo de individuação humana. Em todos os modelos, age o princípio antropólogo do pai, mas sem se exaurir em nenhum deles. A crise dos modelos libera o princípio paterno para novas expressões.
A tradição psicanalítica tirou a limpo à importância insubstituível do princípio antropólogo do pai. A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho/a e pela introdução do filho/a e pela introdução do filho/a no mundo transpessoal, dos irmãos/irmãs, dos parentes e da sociedade.
Nesse outro mundo, vigem ordem, disciplina, autoridade e limites. As pessoas têm que trabalhar e realizar projetos. Em razão disso, deve ter coragem, mostrar segurança e disposição para fazer sacrifícios. Ora, o pai é a personificação simbólica dessas atitudes. É a ponte para o mundo transpessoal e social. Nessa travessia, a criança se orienta pelo pai-herói arquetípico, que sabe, pode e faz. Se lhe faltar essa referência, ela se sente insegura.
Pertence a figura do pai fazer compreender a diferença entre o mundo da família e o mundo social. Não há só aconchego, mas também trabalho, não só bondade, mas também conflito, não apenas ganhos, mas também perdas. Se os programas de entretenimento da televisão exacerbam o desejo, fazendo crer que só o céu é o limite, cabe ao pai mostrar que em tudo há limite. Operar essa verdadeira pedagogia desconfortável mas vital é atender ao chamado do princípio antropológico do pai, sem o que ele está prejudicando seu filho/ filha, talvez de forma permanente.
A partir de uma figura de pai bem realizada, a criança pode elaborar uma imagem benfazeja de Deus-Pai. A despeito das dificuldades, nunca faltam figuras concretas de pais que conhecemos, que se imunizaram da impregnação patriarcal e dentro da complexa sociedade moderna, vivem dignamente, trabalham duro, cumprem seus deveres de pais, mostram responsabilidade e determinação. Dessa forma cumprem a função arquetípica e simbólica para com os filhos/as, função indispensável para que eles amadureçam o seu eu e, sem perplexidades e traumatismos, ingressem na vida autônoma, até serem pais e mães de si mesmos.