Summary
A amamentação humana é muito mais do que um método de alimentação e o leite materno muito mais do que um mero alimento de fácil substituição. Como vimos, os benefícios da amamentação transcendem o nutricional, fornecendo razões de sobra para que mãe e filho continuem com a amamentação pelo tempo que quiserem, sem nenhum tipo de prejuízo
Gabrielle Gimenez*
Após uma publicação no meu perfil do Instagram sobre a amamentação em baleias, uma mãe que amamentava um bebê de 16 meses me procurou no direct_. Uma profissional, que se identificava como pró-amamentação, lhe havia dito que a amamentação cumpre um propósito e tem um prazo. Usou justamente o exemplo das baleias, que amamentam até os 12 meses. A intenção do comentário era insinuar que esta mãe já havia extrapolado o tempo e que dar o peito a essa altura já “não cumpria um propósito”.
Mas será que esse tipo de comparação tem fundamento?
É interessante que, como mamíferos, conheçamos o comportamento de outras espécies em relação à amamentação. Sempre com o bom critério de que a amamentação supre necessidades específicas que para cada espécie são diferentes. Isso influencia tanto o comportamento de amamentação, quanto a sua duração.
Sair pegando exemplos aleatórios da natureza para tentar impor regras à amamentação alheia não é uma boa ideia. No caso em questão o argumento se derruba sozinho porque, diferente da baleia que já pode caçar e valer-se por si mesma, o bebê humano aos 12 meses ainda é totalmente dependente. Uma grande parte dos lactentes sequer anda a essa idade.
A amamentação de outros mamíferos
Se a gente mal conhece o natural da amamentação humana, que dirá o das demais espécies para estar usando como referência para a crítica. E pensando bem, se é para usar exemplos aleatórios da natureza, por que não nos inspiramos no orangotango? Sabia que os orangotangos-fêmeas amamentam até os 8 anos da cria? Ou no canguru? Sabia que amamentam por mais de 1 ano, mesmo quando o filhote já é considerado independente? E que também praticam lactogestação e tandem?
Agora, se trouxermos nossas pesquisas para as espécies mais próximas da humana, veremos que dos primatas superiores, os gorilas amamentam por 4 a 5 anos. Os chimpanzés, por 4,5 a 7 anos. Parece então que essas não são modinhas ou coisas que os humanos inventam.
A amamentação dos humanos
Em uma outra publicação no Instagram sobre a amamentação continuada eu coletei o seguinte comentário:
“Até os animais têm um tempo limite de amamentação. Os humanos são os únicos que inventam de mamar eternamente. A partir dos seis meses o mais importante é a comida. Amamentar por mais tempo é mais uma questão de apego da mãe do que uma necessidade física da criança”.
Antes de continuar, precisamos voltar ao ponto de partida de toda discussão sobre a amamentação humana. E é que a nossa amamentação é um fenômeno biocultural, que tem um aspecto fisiológico e endócrino, mas também é influenciado por aspectos socioculturais, crenças e tradições.
E não é nenhum segredo que a nossa cultura A-D-O-R-A jogar um estigma para cima da amamentação, especialmente quando ela dura mais tempo do que estamos acostumados a ver. O que, é importante ressaltar, na cultura do desmame é bem pouco tempo. Quem amamenta de forma continuada precisa lidar com o preconceito social e profissional e com muitas críticas. Mas com acesso à boa informação, fica fácil derrubar a maioria dos argumentos. Porque, convenhamos, alguns são tão sem noção que nem cabe resposta.
É importante saber que o ser humano alcança autonomia imunológica em torno dos 6 anos de idade e até lá a amamentação cumpre um incrível papel que nunca perde sua eficácia. A amamentação influencia positivamente no desenvolvimento cerebral e melhora a inteligência. A amamentação também tem um papel relevante no desenvolvimento emocional da criança e na construção e fortalecimento do vínculo com a sua mãe.
Então, sim, a gente também amamenta por uma questão de apego, que na verdade é uma via de mão dupla, com benefícios para a díade. Mas o que a nossa cultura sabe sobre apego não é mesmo?
A escolha pelo nosso próprio caminho
Gosto bastante do argumento do professor Marcus Renato de Carvalho, pediatra e IBCLC, nesse sentido:
“Os dados disponíveis sugerem que as crias humanas estão desenhadas para receber todos os benefícios do aleitamento ao seio durante um período mínimo de 2,5 anos e um aparente limite máximo de 7 anos. Hoje em dia muitas sociedades podem satisfazer as necessidades nutritivas das crianças a partir do 3° – 4 º ano de idade com alimentos de adultos adaptados. As sociedades industrializadas podem compensar alguns (e não todos) os benefícios imunológicos da amamentação por meio de vacinas, antibióticos e melhorias sanitárias e higiênicas. Porém as necessidades físicas, cognitivas e emocionais das crianças persistem”.
A amamentação humana é muito mais do que um método de alimentação e o leite materno muito mais do que um mero alimento de fácil substituição. Como vimos, os benefícios da amamentação transcendem o nutricional, fornecendo razões de sobra para que mãe e filho continuem com a amamentação pelo tempo que quiserem, sem nenhum tipo de prejuízo.
Então se essa for a sua escolha, amamente. Se apegue às evidências e deixe o povo falar.
@gabicbs é Puericultora, mãe de três, editora especial do portal aleitamento.com e autora do livro “Leite Fraco? – Guia prático para uma amamentação sem mitos”.