PREMATURIDADE EXIGE CUIDADO e ACOMPANHAMENTO INTERDISCIPLINAR
Os bebês que nascem antes do tempo merecem atenção diferenciada de médicos e psicólogos, entre outros profissionais de saúde, não apenas durante o período neonatal mas, de preferência, até os 5 anos de idade, como forma de minimizar possíveis efeitos da prematuridade em seu desenvolvimento neuropsicomotor
Por Jacques Belik e Rogério Tessler – Revista A mente do bebê
Bebês que nascem prematuros continuam sendo uma das complicações mais comuns durante a gestação. A incidência da prematuridade está diretamente ligada às condições de saúde materna, ao estilo de vida e à falta de acesso aos exames do pré-natal. Acredita-se que o número de partos prematuros gire em torno dos 15% das gestações, e esse índice pode aumentar em populações de risco. A prematuridade por si só é responsável por 75% das mortes no período neonatal.
Há muitas causas para o parto prematuro: maternas (gestantes adolescentes, de baixo nível sociocultural, doenças maternas ligadas ou não à gestação etc.), fetais (doenças genéticas, gemeliaridade etc.) e de origem desconhecida. Apesar disso, não se reconhece a causa exata da prematuridade em boa parte dos casos de bebês nascidos antes do termo.
Hoje em dia, os cuidados com a prematuridade se iniciam ainda no útero materno. Por isso, obstetras, perinatologistas e neonatologistas devem trabalhar em conjunto, decidir, entre outras coisas, o melhor momento do nascimento, a via de parto (vaginal ou cesariana), a necessidade do uso de medicações e/ou intervenções intra-uterinas e, principalmente, traçar um plano de ação para as semanas ou meses que se seguirão ao nascimento. A partir de então, o prognóstico do bebê prematuro começa a ser definido, e várias são as intervenções que podem e devem ser realizadas na tentativa de lhe garantir um futuro feliz e saudável.
TEMPO DE CHEGADA
O período considerado normal para uma gestação humana varia de 37 a 42 semanas. Toda vez que o parto se processa antes disso, considera-se o bebê prematuro ou pré-termo.
Normalmente, o nascimento de uma criança é um processo marcado por mudanças hemodinâmicas e respiratórias muito importantes. Em geral, nesse momento, a maioria dos bebês não precisa de nenhuma assistência especial. No entanto, no caso dos prematuros a situação se inverte: grande parte deles necessita de algum tipo de reanimação pós-natal. Quando isso acontece, a equipe médica envolvida no parto fará todo o possível para que o bebê se mantenha estável durante o atendimento, a fim de lhe garantir oxigenação adequada, sobretudo para o cérebro e órgãos nobres.
Dessa forma, a presença do pediatra na sala de parto, e conseqüentemente a possibilidade de um atendimento especializado durante o nascimento, tem sido considerada uma das medidas mais importantes para a diminuição da mortalidade infantil e para a proteção contra danos neurológicos a longo prazo. Os bebês que nascem prematuros podem apresentar várias complicações. Isso porque, de maneira geral, seus órgãos estão apenas parcialmente desenvolvidos, o que os leva a sofrer de insuficiência em vários de seus sistemas. A função da equipe médica é tentar compensar essa imaturidade funcional, procurando proporcionar as condições necessárias para que eles cresçam e se desenvolvam como se ainda estivessem no útero materno. Mas, infelizmente, a maioria das complicações desenvolvidas pelo bebê durante o período que envolve a hospitalização o acompanha pelo resto da vida.
DOIS EM UM.
O aumento das gestações múltiplas repercute nas taxas de prematuridade e torna necessário um investimento constante nas UTI s neonatais, não apenas em termos tecnológicos, mas principalmente humanitários. Mais que nunca, as equipes multidisciplinares devem estar atentas às etapas precoces do desenvolvimento neuropsíquico e cognitivo, de modo a favorecer o estabelecimento dos vínculos primordiais entre pais e filho, bem como a estimular o bebê a interagir com o ambiente
Danos cerebrais
Por sua própria fragilidade, o sistema nervoso central é a parte do corpo que de forma mais fácil sofre danos, e dificilmente sua recuperação é total. Nesse caso, três grandes problemas podem ocorrer: paralisia cerebral e distúrbios cognitivos, deficiência auditiva e deficiência visual. Além disso, as crianças também podem vir a apresentar problemas respiratórios e pulmonares. A paralisia cerebral e os problemas de desenvolvimento cognitivo são bastante freqüentes no bebê prematuro. Isso se dá em parte pela fragilidade dos vasos sangüíneos cerebrais, que tendem a sangrar com facilidade, assim como a incapacidade que eles têm de manter a pressão adequada dentro do cérebro. Estudos internacionais que acompanharam bebês nascidos com menos de 28 semanas de gestação indicaram que aos 6 anos 17% dessas crianças apresentavam paralisia cerebral ou baixo quociente de inteligência e 30% mostravam distúrbios neurológicos mais significativos, como hiperatividade e problemas de aprendizado.
Depois da alta hospitalar, a criança prematura deve ser acompanhada pelo pediatra e pelo neonatologista com a finalidade de identificar manifestações precoces de paralisia cerebral, por meio de um acompanhamento de perto do desenvolvimento neuropsicomotor e, quando necessário, com a ajuda de outros profissionais da área médica e afins. Crianças portadoras de paralisia cerebral devem iniciar precocemente o tratamento fisioterápico e ser acompanhadas por neurologistas e psicólogos na tentativa de explorar todas as suas potencialidades motoras.
Deficiência visual
Os prematuros também podem apresentar deficiência visual, conseqüência da retinopatia da prematuridade, doença que se caracteriza pelo desenvolvimento anormal da retina. Entre os bebês que nascem com menos de 1,5 kg, 30% apresentarão algum grau de retinopatia da prematuridade e precisarão de acompanhamento especializado e tratamento apropriado. Cerca de 5% deles necessitarão de cirurgias. A doença, por si só, é responsável por 10% de todas as causas de cegueira na infância.
Felizmente, com o uso de monitores de oxigenação mais sensíveis, a incidência da retinopatia da prematuridade está diminuindo em termos numéricos. Mas, em contrapartida, tem aumentado em termos de gravidade, pela maior sobrevida dos bebês extremamente prematuros. Hoje, 90% dos casos de retinopatia da prematuridade ocorrem em bebês que nascem com menos de 30 semanas de gestação.
A única forma de reduzir a retinopatia é justamente prevenir a própria prematuridade e monitorar sempre a oxigenação do bebê. Um ambiente com luz menos intensa e a proteção dos olhos da criança contra o excesso de luminosidade também ajudam a prevenir a doença e dão condições para que o bebê vá experimentando aos poucos os períodos de “noite e dia”. Feito o diagnóstico inicial, a criança deve ser seguida de perto pelo pediatra-neonatologista mesmo após a alta hospitalar. O pediatra coordenará as visitas ao oftalmologista e acompanhará de perto o desenvolvimento da retina para avaliar a necessidade de algum tipo de intervenção cirúrgica.
RISCOS DA PREMATURIDADE.
Estudos demonstram diferenças no desenvolvimento físico das crianças que nasceram prematuras, como o bebê abaixo, à esquerda, de 4 meses, mas nascido nove semanas antes da idade de termo. Há outros casos, como o da criança do centro, de 2 meses de vida, que, apesar de ter nascida no tempo correto, tem baixo peso, devido a problemas nutricionais durante a gestação. Por fim, à direita, recém-nascido a termo, com dois dias de vida e cerca de 3,7 kg. Em bebês com apenas 30 semanas gestacionais, é preciso estar atento, entre outros sintomas, à alteração da retina, problema ocular que afeta em maior ou menor grau os prematuros extremos – quadro que felizmente vem se modificando, em função de condutas preventivas. Acima, à esquerda, angiografia da retina de um bebê prematuro que mostra falha de oxigenação na retina periférica
Riscos auditivos
A deficiência auditiva é outro problema bastante comum. Acredita-se que a incidência seja de 1 para cada 30 internados nas UTIs. Várias são as razões, mas, basicamente, ela é causada pela própria fragilidade e imaturidade do sistema nervoso central e de todo o aparato auditivo, bem como do próprio tratamento ministrado a esses pequenos pacientes.
Quando se fala de tratamento intensivo, entende-se o uso de drogas, de ventilação mecânica e de equipamentos muito barulhentos. Estes também tendem a ser prejudiciais se a exposição dos bebês for prolongada. Um exemplo claro é o das incubadoras com manutenção inadequada; elas produzem um tipo de ruído que, com o passar do tempo, é capaz de lesionar a via auditiva das crianças. O próprio ambiente da UTI, com os ruídos constantes produzidos por monitores, respiradores e a própria movimentação da equipe médica, pode potencializar as perdas auditivas dos recém-nascidos.
Além disso, muitas drogas usadas no período neonatal sabidamente têm efeito tóxico sobre o sistema auditivo de recém-nascidos. Entre elas destacam-se antibióticos e diuréticos de uso constante, que devem ser utilizados com bastante cautela pela equipe médica.
O diagnóstico da deficiência auditiva se inicia com o bebê ainda no hospital e se prolonga pelos primeiros meses de vida. O exame deve ser feito em algum momento da hospitalização, quando não se espera novas agressões ao sistema auditivo. Esse exemplo é seguido pela maior parte dos hospitais norte-americanos, nos quais o exame é realizado quando o bebê deixa a UTI neonatal e é transferido para a unidade de cuidados intermediários.
Muitas vezes o exame de triagem auditiva não é capaz de confirmar o diagnóstico de perda de audição no bebê prematuro, tornando-se necessário realizar exames freqüentes para a confirmação diagnóstica. Esse acompanhamento será feito pelo pediatra-neonatologista, que avaliará a necessidade de novos exames e procurará definir o diagnóstico de deficiência auditiva antes dos primeiros 6 meses de vida.
EXAME DE TRIAGEM AUDITIVA
Todo bebê, independentemente do fato de ser prematuro ou pertencer a algum grupo de risco, deve ser submetido ao exame de triagem auditiva, como o que se pode ver à direita, em pesquisa na Universidade de Southampton, Inglaterra, para medir prejuízo de audição. Esse exame é realizado por meio da técnica de “emissão otoacústica”: uma pequena sonda é colocada na orelha do recémnascido e conectada a um equipamento que registra o resultado. Essa técnica é indolor e não necessita de qualquer tipo de sedação ou preparo especial. O exame deve ser realizado por fonoaudiólogos, em ambiente silencioso, a partir do terceiro ou quarto dia de vida.
Longa espera
Semanas ou meses se passarão antes que o bebê possa deixar a unidade de terapia intensiva neonatal e ir para casa. Na maioria das vezes, ele ainda necessitará de cuidados especiais e de medicamentos, vitaminas e diferentes fórmulas alimentares que lhe garantam crescimento e desenvolvimento adequados.
É bom que se diga que a alta hospitalar não representa o fim do tratamento especializado dispensado aos prematuros. Na verdade, o acompanhamento feito pelo pediatra-neonatologista deve se estender de forma ambulatorial aos primeiros anos de vida.
O bebê só pode deixar o hospital após o cumprimento de algumas exigências. Inicialmente, ele deve ter ganhado peso nos últimos dias, o que significa, no mínimo, um acréscimo entre 15 gramas e 20 gramas ao dia. Ele também deve ser capaz de manter sua própria temperatura, sem a ajuda de incubadoras ou berços aquecidos, precisa estar “sugando” de modo adequado o seio materno (…) e “maduro” o suficiente para controlar funções fisiológicas como a respiração e os batimentos cardíacos. É necessário ainda que ele esteja em dia em relação à imunização e à triagem metabólica (teste do pezinho), e deverá ter sido avaliado em termos de audição e visão. É importante também que se defina a equipe médica que dará prosseguimento ao tratamento ambulatorial. Assim, a primeira consulta com o pediatra-neonatologista deverá estar marcada, bem como todo o histórico médico documentado e disponível para a nova fase que se inicia após a alta.
ALGUNS ANOS DEPOIS
Crianças que foram extremamente prematuras, em especial aquelas com menos de 30 semanas de gestação e nascidas com menos de 1 kg de peso, podem apresentar os seguintes sintomas durante a primeira infância e a idade escolar:
• Disfunções sociais, isolamento e baixa auto-estima;
• Distúrbios comportamentais, como imaturidade, impulsividade e distúrbios do sono;
• Problemas “sensoriais”, como aversão a certos gostos e texturas de alimentos e reações anormais a dor;
• Distúrbios de motricidade fina ou grosseira suficientes para interferir no dia-a-dia das crianças, sem que elas tenham diagnóstico de paralisia cerebral;
• Problemas de fala, como discurso lento ou inaudível, em função de danos nas cordas vocais;
• Distúrbios de crescimento e ganho de peso;
• Distúrbios digestivos como vômitos freqüentes e constipação;
• Distúrbios de aprendizado, especialmente em matemática, ditados e cópias.
A primeira consulta com o pediatra-neonatologista deve ocorrer alguns dias após a alta hospitalar. Na maioria dos países desenvolvidos, o Programa de Acompanhamento de Bebês Prematuros é independente do acompanhamento mensal com o pediatra. Esses programas estão organizados de forma que se possa observar o bebê em momentos particulares de seu desenvolvimento.
Os programas de acompanhamento (follow up) têm como objetivo inicial detectar problemas de saúde e instituir um tratamento adequado. Junto com o pediatra, o neonatologista fará recomendações a respeito da alimentação, do crescimento, do desenvolvimento neuropsicomotor, da imunização e de tudo que se refere à saúde do bebê.
O objetivo principal do follow up é detectar seqüelas da própria prematuridade. O neonatologista deve então encaminhar imediatamente os pacientes com paralisia cerebral e deficiência visual ou auditiva para reabilitação por meio da estimulação precoce e fisioterapia, tratamento fonoaudiológico e terapia ocupacional.
ALÉM DO CÉREBRO.
Fora os casos de lesão neurológica significativa, o impacto da prematuridade na área cognitiva e psíquica (como apontam alguns estudos com crianças que nasceram prematuramente) muitas vezes se deve menos a questões orgânicas e mais à insegurança prolongada dos próprios pais diante da fragilidade física do filho. Outro fator importante, que merece ser levado em consideração, é a recepção paterna e o processo de aceitação do filho frágil, que veio antes do esperado, cuja imagem muitas vezes não corresponde às expectativas familiares. Acima, ressonância magnética do cérebro de uma criança nascida a termo
Desempenho escolar
Quando se avalia o desempenho escolar das crianças que foram bebês extremamente prematuros nota-se que as complicações relativas à prematuridade persistem por longos períodos. Estudos conduzidos na Escandinávia, comparando crianças de 10 anos que foram prematuros extremos com aquelas que nasceram a termo, demonstraram grandes diferenças quanto ao desenvolvimento físico, rendimento escolar e quociente de inteligência (QI). Aos 10 anos de idade, crianças que nasceram muito prematuras, comparadas a crianças não prematuras, tinham em média estatura 5 cm menor, peso em média 4 quilos inferior e perímetro cefálico também menor. Quando se comparou o QI, constatouse que as crianças prematuras apresentavam em média um quociente de 90, enquanto o QI médio das nascidas a termo era de 106. Isso se reflete no rendimento escolar, na qual foi demonstrado que 38% das crianças nascidas prematuras apresentavam desempenho abaixo do esperado, comparado com 12% das nascidas a termo.
Nesse mesmo estudo escandinavo, demonstrou- se que as crianças nascidas com prematuridade extrema têm uma probabilidade 30% maior de apresentar alguma manifestação psiquiátrica quando comparadas às nascidas a termo. Problemas de comportamento podem ser parcialmente entendidos como manifestação de danos neurológicos ocorridos durante o período neonatal, mas também como conseqüência da insegurança dos pais em “criar” um filho extremamente prematuro. Muitos estudos demonstram dificuldades de interação entre a mãe e o bebê durante os primeiros anos de vida, resultantes da falta de clareza no entendimento dos sinais da criança prematura quando comparados com os de uma nascida a termo. Crianças que foram prematuras extremas com freqüência apresentam dificuldades no primeiro ano de vida – fato que resulta em distúrbios alimentares e do sono.
Os dados evidenciam a necessidade de intervenções em diferentes níveis para oferecer suporte para o desenvolvimento de crianças que nasceram extremamente prematuras. Além da melhora contínua no tratamento médico, esses bebês necessitam de atendimento individualizado ainda no período neonatal. Os programas de intervenção de longo prazo têm então o objetivo de não só favorecer o desenvolvimento dessas crianças como de oferecer aos pais melhor entendimento e compreensão das necessidades reais dos bebês nascidos prematuros extremos.
ACOMPANHAMENTO MULTIDISCIPLINAR
A maior parte dos serviços de atenção a bebês prematuros na América do Norte está estruturada para acompanhá-los até os 2 anos de idade devido à alta incidência de disfunções orgânicas, psicológicas, comportamentais e de aprendizado nessa população, as quais podem se prolongar até a idade escolar. Por isso, as visitas aos profissionais privilegiam os períodos significativos de aquisições nas diversas áreas do desenvolvimento neuropsicomotor (assinaladas em verde no quadro abaixo). O ideal seria que as crianças fossem acompanhadas por mais tempo, o que não ocorre devido à limitação de recursos.
PASSO A PASSO.
Prevenção é o termo-chave quando se trata de prematuridade. Mesmo após a alta hospitalar – que se dá, entre outros fatores quando o bebê adquire peso e já consegue manter sozinho a temperatura corporal –, é imprescindível o acompanhamento multidisciplinar pelo menos ao longo dos 2 primeiros anos de vida. Por meio dele poderá ser verificado, etapa a etapa, o desenvolvimento global do bebê e intervir a tempo, quando necessário
PARA CONHECER MAIS
Individual differences in infancy: Reliability, stability, prediction.
J. Colombo e J. Fagen (Eds.). Lawrence Erlbaum Associates, 1990.
Treating parent-infant relationship problems: Strategies for intervention. A. J. Sameroff, S. C. McDonough e K. L. Rosenblum (Eds.). Guilford Publications, 2005.
Handbook of parenting: Children and parenting.
M. H. Bornstein. Lawrence Erlbaum Associates, 2002.
Os autores
JAQUES BELIK é professor de pediatria na Universidade de Toronto e médico neonatologista do Hospital para Crianças Doentes, Canadá.
ROGÉRIO TESSLER é pediatraneonatologista, mestre em pediatria pela PUC -RS .
www.aleitamento.com recomenda os 4 fascículos da série
A MENTE do BEBÊ
da Coleção Mente e Cérebro da Duetto Editorial
18 de outubro – dia do Médico, nossa homenagem.