Amamentação:
Infrações à norma
Pesquisa constata irregularidades na venda de chupetas, mamadeiras e alimentos para lactentes e crianças de primeira infância.
Chupetas e mamadeiras sem embalagens, sem informações sobre a procedência ou com dados em desacordo com as normas. Promoções comerciais de fórmulas infantis, embora proibidas pela legislação. Ilustrações de bebês ou figuras humanizadas nessas fórmulas, fato igualmente proibido. E falta de frases de advertência exigidas.
Estas foram algumas das irregularidades encontradas em um monitoramento realizado em nove cidades de cinco estados sobre o comércio de alimentos para lactentes (crianças até 11 meses e 29 dias) e crianças de primeira infância (de 1 a 3 anos) e de chupetas e mamadeiras nos aspectos promoção comercial, rotulagem e material educativo.
A pesquisa, apoiada pelo Idec, foi realizada pela IBFAN (International Baby Food Action Network-Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar), uma coalizão de cerca de 200 grupos de cidadãos de 95 países que trabalha para proteger a saúde e a nutrição das crianças, por meio da promoção do aleitamento materno e da eliminação do marketing irresponsável de alimentos infantis, mamadeiras e chupetas.
Desde a aprovação da NBCAL (Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras), a IBFAN realiza monitoramentos para verificar seu cumprimento integral. O mais recente foi realizado em março. A NBCAL, instrumento legal para proteger a amamentação, é composta de três documentos: Portaria MS 2.051, de 2001, e RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) Anvisa 221/2002 e 222/2002.
Embora aprovada em 1988, monitoramentos realizados pela Rede IBFAN, assim como pelo próprio Ministério da Saúde, mostram que seu cumprimento não tem ocorrido como o esperado. As revisões da NBCAL, realizadas em 1992 e 2001, a tornaram mais clara buscando facilitar a compreensão e interpretação de seus artigos tanto por parte dos fabricantes quanto dos técnicos da Vigilância Sanitária e de outros profissionais da área da saúde.
Como foi feita a pesquisa
A pesquisa foi realizada em pontos de venda e na Internet entre 18 e 23 de março de 2004, em nove cidades: Carapicuíba, Jundiaí, São Paulo e São Sebastião (SP), Curitiba (PR), Florianópolis e Joinville (SC) Maceió (AL), Salvador (BA).
Foram visitadas lojas e supermercados, analisados folhetos promocionais do Extra, Carrefour, Makro e Pão de Açúcar. Também foram analisados os rótulos de seis fórmulas infantis e quatro fórmulas infantis de seguimento; uma fórmula de seguimento para crianças de primeira infância; 14 alimentos de transição e à base de cereais; nove leites integrais, desnatados e semi-desnatados; cinco mamadeiras; cinco bicos; três chupetas e quatro protetores de mamilo.
Foram visitadas páginas eletrônicas da Abbott Ross; Chicco; Gerber; Kuka; Mead Johnson; Neopan; Nestlé, Support; Tetrapak; Top quality e Wyeth.
A pesquisa também analisou as seguintes revistas científicas: Jornal de Pediatria, novembro-dezembro 2002; março-abril 2003; Pediatrics edição brasileira, março 2003; Revista Paulista de Pediatria, dezembro 2002.
Apesar de proibida, promoção persiste
De acordo com a RDC 222/02, é absolutamente vedada a promoção comercial desses produtos, mas a midia é largamente utilizada para esse fim, e até mesmo em congressos dirigidos a profissionais e em revistas cientificas pode ocorrer essa prática.
A RDC 222/02 define fórmula infantil para lactentes como “o produto em forma líquida ou em pó, destinado à alimentação de lactentes, até o sexto mês, sob prescrição, em substituição total ou parcial do leite materno ou humano.”
Já a fórmula infantil para necessidades dietoterápicas específicas é aquela cuja composição foi alterada com o objetivo de atender às necessidades específicas decorrentes de alterações fisiológicas e ou patológicas temporárias ou permanentes.
E, finalmente, a fórmula infantil de seguimento para lactentes é o produto em forma líquida ou em pó utilizado, quando indicado, como substituto do leite materno ou humano a partir do sexto mês.
No Brasil, encontram-se disponíveis no mercado as fórmulas infantis, as dietoterápicas e as de seguimento para lactentes da Nestlé, Support, Abbott Ross, Mead Johnson e Wyeth.
A pesquisa revelou que o Supermercado Pão de Açúcar (Curitiba) faz oferta da fórmula infantil Pré Nan a R$ 10,99 enquanto seu preço é de R$ 28,90. Na época da pesquisa, a Support, em sua página eletrônica, permitia acesso livre a informações sobre fórmulas infantis, o que se caracteriza como promoção ao público, mas já restringiu o acesso somente a médicos e nutricionistas. A página eletrônica da Nestlé, embora tenha o cuidado de não expor fórmulas infantis ao público em geral permite, mediante cadastramento, que qualquer pessoa possa ter acesso à informação.
Não se pode deixar de considerar como promoção comercial os anúncios de produtos em revistas científicas patrocinadas por essa empresa. A diferença está apenas no público alvo. As editoras das revistas (Sociedade Brasileira de Pediatria, Sociedade de Pediatria de São Paulo e Pharmapress Edições Ltda) são co-responsáveis pela ocorrência desse tipo de estratégia de marketing.
Fórmulas de seguimento
A RDC 222/02 permite a promoção comercial de fórmulas de seguimento para primeira infância desde que inclua, “em caráter obrigatório e com destaque, a seguinte advertência: O Ministério da Saúde adverte: O aleitamento materno evita infecções e alergias e é recomendado até os dois anos de idade ou mais.” O monitoramento revelou que a Nestlé anunciava o Ninho 1+, em sua página eletrônica sem a frase exigida.
Já na categoria leites incluem-se os leites em pó, leites em pó modificados, todos os leites de vaca fluidos ou em pó, integrais, semi-desnatados e desnatados, assim como os leites de cabra e os similares de origem vegetal, conhecidos como “leites de soja”.
Esses produtos devem cumprir a RDC 222/02 de forma idêntica ao estabelecido para fórmulas de seguimento para crianças de primeira infância. Vale a pena destacar a existência das chamadas “bebidas lácteas”. De aparência similar aos leites UHT, o produto confunde o consumidor, tentado a adquiri-lo devido ao seu preço mais baixo, sem saber que sua qualidade nutricional é inferior à dos leites e que seu consumo é inapropriado para crianças. (Leia Consumidor S.A. no 72).
O monitoramento revelou que o Carrefour faz promoção do leite Nutrimax sem incluir a advertência. Carrefour e Extra fazem promoção do leite Ninho, por meio de exposição especial e oferta, igualmente sem incluir a advertência. Supermercado Big promove o leite longa vida da Parmalat, por meio de exposição especial e grandes cartazes, sem a advertência.
Makro promove o leite Sonata em seu folheto sem a frase de advertência, assim como o Pão de Açúcar e Extra promovem o leite Ninho. O Pão de Açúcar faz oferta do leite Dália sem a frase de advertência. Todos os estabelecimentos foram pesquisados em São Paulo.
A Nestlé expunha, em sua página eletrônica, o leite desnatado Molico e toda a linha do Ninho sem as advertências exigidas, assim como a página eletrôncia da Tetrapak, na promoção do leite Shefa.
Fórmulas infantis e de seguimento para lactentes
A RDC 222/02 veda a utilização de fotos, desenhos ou outras representações gráficas, que não sejam necessárias para ilustrar métodos de preparação ou uso do produto. Entretanto, é permitido o uso de marca do produto/logomarca, desde que não utilize imagem de lactente, criança pequena, ou outras figuras humanizadas. Os rótulos não devem conter expressões que indiquem condição de saúde e nem promover o produto da mesma ou de outras empresas. Mas nem todas se adequaram às regras. Por exemplo, Mead Johnson e Nestlé mantêm ilustrações em desacordo com a legislação. A Nestlé, em sua fórmula Nan AR traz a indicação “anti-regurgitação”, que é condição de saúde. Mead Johnson, promove o produto Sustagen no rótulo da fórmula Enfamil sem lactose.
A Abbott mantém frase de advertência diferente da exigida e sem o destaque necessário em sua fórmula Isomil. Wyeth não dá o destaque necessário à frase de advertência na fórmula Nursoy.
Fórmulas de seguimento para primeira infância
Com relação a esses produtos a RDC 222/02 veda a utilização de “informações que possam induzir o uso dos produtos baseado em falso conceito de vantagem ou segurança”. Também é vedada a promoção do produto.
Mas o monitoramento revelou que a Nestlé mantém a palavra “crescimento” no Ninho 1+, um falso conceito de vantagem ou segurança, pois transmite a idéia de que o produto seria especialmente formulado para promover o crescimento.
Orientações do Idec e da IBFAN
Aos consumidores:
Fórmulas infantis devem ser consumidas somente sob orientação de um médico ou nutricionista, pois nenhum outro alimento substitui o leite materno e seu preparo inadequado é prejudicial à saúde infantil;
Na necessidade de adquirir alimentos infantis, mamadeiras e chupetas, atenção aos rótulos. Muitas informações são desnecessárias e podem conter somente o objetivo de induzir ao consumo;
Não se deve adquirir produtos sem embalagens apropriadas ou cujos rótulos não permitam fácil leitura, particularmente se faltam informações claras sobre a origem do produto;
É de extrema importância seguir rigorosamente as instruções de preparo e/ou uso dos produtos, e observar data de fabricação e validade.
Aos fabricantes e comerciantes:
Seguir rigorosamente a legislação para rotulagem e promoção comercial de alimentos infantis e produtos de puericultura.
Não estimular e coibir a promoção de seus produtos em pontos de venda, considerando o princípio da responsabilidade solidária, previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8078, de 11 de setembro de 1990), Art. 7º, parágrafo único.
Ao governo:
Promover rigorosa fiscalização sobre os produtos, fabricantes e comerciantes do setor, com vistas ao respeito e aprimoramento da legislação vigente;
Aplicar severamente a legislação vigente para os casos de infração às normas consideradas neste trabalho.
Aos profissionais de saúde:
Informar as famílias sobre a importância do aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida da criança e a não necessidade do uso de água e chás;
Informar e apoiar as mães para a manutenção do aleitamento materno após o início da alimentação complementar apropriada, até os 2 anos de idade ou mais;
Incentivar mães, pais e responsáveis para que ofereçam alimentos naturais, de hábito de consumo da família, evitando-se o uso precoce de alimentos industrializados;
Os profissionais de saúde têm o dever de se informar, conhecer e respeitar a legislação vigente, especialmente os aspectos relativos a amostras grátis, doações, brindes e contato com os representantes comerciais de fabricantes de alimentos infantis e produtos de puericultura.
Confira todo o conteúdo da pesquisa na edição n° 83 da Revista do Idec ou visite o site do IDEC – veja links.