ESPIRITUALIDADE e SAÚDE
nos currículos de Faculdades de Medicina no Brasil
Spirituality and health in the curricula of medical schools in Brazil
publicado no BMC Medical Education 2012, 12:78 doi:10.1186/1472-6920-12-78
Giancarlo Lucchetti, Alessandra Lamas Granero Lucchetti, Daniele Corcioli Mendes Espinha, Leandro Romani de Oliveira, José Roberto Leite and Harold G Koenig
Resenha exclusiva para o portal aleitamento.com elaborada pela Milena Blanc,
graduanda da Faculdade de Medicina da UFRJ.
A relação entre espiritualidade, religião e saúde tem sido abordada em pesquisas científicas, que revelam uma associação das crenças religiosas e espirituais com: saúde mental e física, adesão ao tratamento proposto, tomada de decisões médicas, valores e dilemas éticos e a própria sobrevivência. (1-4)
No entanto, na prática médica, são poucos aqueles que tratam de questões relacionadas à espiritualidade e saúde (E&S) com seus pacientes. (6) As barreiras mais comuns consistem na falta de tempo, falta de conhecimento e treinamento, além do medo e desconforto ao abordar esse tema. (5-7) Podemos identificar algumas dessas barreiras impostas se relacionam diretamente com o déficit do ensino de E&S nas escolas médicas. Dados apontam que 59% das escolas médicas britânicas (11) e 90% das americanas (12) apresentam matérias ou conteúdos relativos à E&S. Pouca informação está disponível acerca do ensino de E&S na América Latina, Ásia, Austrália ou África. (10)
Lucchetti e Granero (13) descreveram que os principais entraves para a integração de E&S no ensino médico são a falta de estudos no campo, uma tendência à laicização da medicina e um desejo de evitar a coerção religiosa.
Este artigo investiga a magnitude do ensino de E&S em escolas médicas brasileiras e a maneira como o tema é abordado.
MÉTODOS
Todas as escolas médicas privadas e públicas do Brasil foram selecionadas para o estudo e contatadas. O pedido de participação incluía uma carta, explicando os objetivos da pesquisa, correlacionando-a com a perspectiva de mudança curricular e as definições e espiritualidade e religião; uma cópia da aprovação do estudo pela Junta Institucional de Revisão da Universidade Federal de São Paulo e um questionário.
Os pontos presentes no questionário foram os seguintes: dados institucionais; dados da pessoa responsável por responder as perguntas; tipos de cursos relativos à E&S, inclusive se o assunto era englobado em outras matérias; eventos sobre E&S; presença de planos de criar uma matéria de E&S; importância da inclusão de E&S no currículo médico.
Quatro tentativas de contato foram realizadas a fim de maximizar o número de instituições participantes.
RESULTADOS
De um total de 180 escolas médicas, 86 (47,7%) delas respondeu ao pedido de participação. Uma instituição indicou não ter interesse no estudo e outras 94 não responderam.
Características das Escolas Médicas
Todas as regiões brasileiras contaram com representantes, tendo o Sudeste o maior número de instituições e o Sul a maior percentagem de adesão. A maioria das escolas era privada (51,7%) e verificou-se uma média de 87,8 alunos formados por ano.
Conteúdo de E&S na Formação Médica
Das instituições pesquisadas, 9 possuíam um curso específico sobre o tema, sendo 4 (4,6%) obrigatórios e 5 (5,8%) eletivos. Em adição, 14 (16,2%) relataram que uma aula expositiva sobre E&S constava em algum momento no currículo. Outras 12 (13,9%) indicaram que um membro da faculdade colaborava em um curso ou aula introduzindo E&S, principalmente nas disciplinas de Ética, Psicologia Médica e Medicina Comunitária.
Apenas 4 (4,6%) escolas assinalaram sediar um evento voltado para E&S, como uma conferência ou seminário. Somente 2 (2,3%) indicaram estar planejando implementar um novo curso em E&S em seu currículo.
Importância de E&S no Currículo Médico
Estratégias de Ensino
Os cursos obrigatórios foram mais encontrados em faculdade privadas e religiosas, geralmente mais focados em teologia, enquanto cursos eletivos foram mais encontrados em instituições públicas, com foco nas conexões entre espiritualidade e saúde de uma forma mais ecumênica.
DISCUSSÃO
No Brasil, o estudo averiguou que 10,4% das escolas médicas possuíam cursos que ministravam especificamente E&S e 40,5% apresentavam cursos ou conteúdo de E&S. Esses resultados impressionam quando o relacionamos com a população brasileira, considerada altamente religiosa/espiritualizada (18), na qual 83% considera a religião importante em suas vidas.
O Que Pode Estar Por Trás Desse Resultado?
Primeiramente, poucos estudos foram publicados no Brasil sobre o tema antes do ano 2000 e apesar do número ser crescente, em 2010 apenas 18 artigos foram encontrados na base Scielo. Outro fator, esse de cunho cultural, é a visão de que a medicina deve permanecer laica e sem se relacionar com religiosidade/espiritualidade, uma vez que esse tema é considerado coercitivo por alguns pacientes. (13) Em terceiro lugar, diz respeito à produção de conhecimento sobre E&S, pois poucas conferências médicas abordaram o tema desde 2000, os departamentos de pesquisa das universidades raramente o investigam e existe no país apenas um programa de pós-graduação em E&S.
De acordo com a AAMC (Association of American Medical Colleges) os currículos médicos devem ser capazes de orientar os alunos quanto o papel da espiritualidade no cuidado dos pacientes em diferentes situações e a influência de sua própria espiritualidade na sua capacidade de prestar um cuidado singular que envolva os aspectos espirituais da vida dos pacientes.
No Brasil, esses objetivos se aproximam mais do que é oferecido nos cursos encontrados em instituições públicas. Em um país tão religioso, como já explicitamos acima, conhecer aspectos de diferentes religiões é útil na prática médica tanto para resolver questões éticas e legais, quanto para compreender e dedicar-se a suprir as necessidades religiosas dos pacientes.
Para trabalhar esses aspectos, instrumentos que guiem o médico na obtenção da história espiritual (20) são importantes, para averiguar crenças religiosas, práticas e necessidades mais específicas dos pacientes, assim como aspectos espirituais mais gerais em suas vidas. Isso é importante para que se entenda melhor como a espiritualidade influência na saúde de cada indivíduo. Apenas duas instituições pesquisadas incluíam oportunidades práticas de integrar a espiritualidade no cuidado com o paciente e só três ensinavam como conduzir uma história espiritual. A falta de atividades práticas deixa os estudantes sem as ferramentas necessárias diante do paciente e fortalecem as barreiras que impedem que a espiritualidade ande junto com o cuidado em saúde, como a falta de conhecimento e de treino e o medo de acabar impondo suas crenças.
A maioria dos diretores das faculdades de medicina (54%) acredita que esse seja um ponto importante, um dado bastante positivo. No entanto, poucos são aqueles que possuem cursos de E&S integrados no currículo. Fatores que podem explicar essa aparente contradição são: o tempo disputado entre outras disciplinas, a falta de pesquisa sendo feita no Brasil em E&S e de pessoal qualificado para ministrar tais cursos.
Embora haja alguns acordos no que diz respeito à integração da prática médica com a espiritualidade, tal como o impacto que crenças religiosas/espirituais podem exercer na saúde mental e física, em questões éticas e legais e na tomada de decisões médicas (3, 15); ou ainda a percepção de que médicos não devem orientar os pacientes a exercer práticas religiosas/espirituais que não estão sendo praticadas (23). No entanto, não há consenso sobre se os médicos podem rezar com pacientes (24), sobre o que deve ser ensinado em um curso de E&S e como se daria o processo de avaliação (10). Os cursos oferecidos com relação à E&S são os mais variados, sem necessariamente focarem no cuidado com o paciente, decorrente da falta de treinamento específico do corpo docente e justamente da falta de acordo entre si do que deve ser incluído no currículo. Uma diretriz nacional acerca do papel de E&S na formação médica poderia amenizar esses problemas.
O presente estudo possui algumas limitações, pois apenas metade das escolas médicas do Brasil respondeu ao convite de participação, o que pode ser fruto da falta de interesse no tema e, consequentemente, em abordar E&S durante a formação de seus alunos ou no simples desconhecimento por parte do responsável pela resposta da presença de conteúdos de E&S no currículo. Por último, é importante notar que o questionário foi superficial, com a finalidade de aumentar a probabilidade de resposta, e que a questão acerca do ensino médico de E&S precisa ser aprofundada.
CONCLUSÃO
Poucas instituições possuem cursos exclusivamente dedicados à E&S, mas 40% delas abordam o tema de algum modo ao longo do currículo médico. É perceptível que não há um padrão no que é ensinado em E&S e que não é dado aos estudantes o devido espaço para praticar o que aprendem, com poucas exceções. Ainda sim, mais da metade dos diretores de escolas médicas consideram que o conhecimento em E&S é parte importante do cuidado com o paciente e que deve ser transmitido aos alunos, o que pode ser considerado estimulante e promissor.
Leia o artigo na íntegra em http://www.biomedcentral.com/1472-6920/12/78