MULHER TRABALHADORA E A PRÁTICA DE AMAMENTAR
MARINA FERREIRA REA
Amamentar é um direito que a sociedade deve garantir a toda mulher e a toda criança. Assim, esse direito estende-se também à mulher que tem um trabalho remunerado. Tanto as políticas sociais que visam normatizar e proteger a mulher –mãe enquanto trabalhadora, como as práticas de manutenção da lactação devem ser discutidas, porque são aspectos fundamentais da pratica sobre amamentação que os profissionais de saúde não podem deixar de conhecer.
Hoje se recomenda que a gestante deve ser preparada para o parto natural e que todos os procedimentos realizados na sala de parto devem procurar propiciar o contato precoce (de preferência pele-a-pele) entre mãe e bebê, o que favorece o vínculo e o estabelecimento da prática de amamentar (Recomendações da OMS e da OPAS, conforme “Declaração de Fortaleza”, de 1985, publicada no Lancet, de 24/agosto/1985) (1). Os Ministros da Saúde de países membros da OMS preconizam o aleitamento materno exclusivo (somente leite materno, sem água ou chá), até 6 meses de vida e a partir daí que a criança continue a ser amamentada além de receber outros alimentos até pelo menos o segundo ano de vida (Resolução da AMS, 2001) (2). Esta política foi endossada pelo Brasil em duas ocasiões: em 1990, em Florença, Itália, quando 31 representantes de países e outros participantes de agências internacionais elaboraram a Declaração de Innocenti (3), e também em Nova Iorque, na Cúpula Mundial da Infância, reunião de chefes de estado de todo mundo, no mesmo ano. Em 2000, o Brasil foi líder na Assembléia Mundial de Saúde, da OMS, na proposta de que a amamentação exclusiva deve ser praticada até o 6o mês de vida. Dos 31 países que assinaram a Declaração de Innocenti, 18 avançaram na meta referente à melhoria da proteção a mãe trabalhadora, entre os quais China, México, Itália, e Brasil.
Recomendações como estas devem ser aplicadas a todos os seres humanos. O fato de estar no mercado de trabalho não deve impedir a mulher de viver o período da maternidade.
Os profissionais de saúde precisam conhecer os direitos das mulheres trabalhadoras, especialmente levando em conta que muitos destes profissionais são mulheres, elas mesmas tendo às vezes vivenciado situações de conflito entre poder trabalhar fora e poder amamentar. Qual a política então recomendada sobre o tema pelas organizações do trabalho e que o mundo globalizado necessita conhecer:
Os direitos e benefícios internacionais trabalhistas das mulheres enquanto mães
As Nações Unidas, através da Organização Internacional do Trabalho (OIT), elabora em consulta com patrões, empregados e governos as chamadas Convenções e Recomendações trabalhistas. A Convenção de Proteção a Maternidade (Convenção No. 3, da OIT) de 1919 é das primeiras deste organismo, quando ele recém havia sido criado: esta convenção dá diretrizes para mulheres trabalhadoras da industria e do comércio, incluindo o direito a licença –maternidade (6 semanas antes e 6 semanas após o parto), o direito a benefícios médicos pagos (a ser decididos pelo país com fundos públicos), proibição de demissão à gestante e pausas para amamentar, de 2 meias horas na jornada regular de 8 horas diárias. Em 1952 esta convenção foi revisada (No. 103) e passou a estender os benefícios anteriores a empregadas domésticas assalariadas, a licença-maternidade de 12 semanas incluiu 6 semanas compulsórias no posparto e possibilidade de extensão deste período por razões médicas, além de garantia de pagamento dos horários de pausas para amamentar (O Artigo 5º desta Convenção coloca que as interrupções do trabalho para nutrir um bebê devem se contadas como hora trabalhada e assim remuneradas) . Nessa época, uma Recomendação (No.95) foi também adotada, sugerindo 14 semanas de licença-maternidade, com 100% do salário, e pausas para amamentar de 1 e ½ hora por dia, ajustadas em freqüência e duração a critério médico. Recomendaram-se também creches financiadas pelo setor público ou pelo seguro social. Tanto a Convenção 103 como a Recomendação 95 foram ratificadas por nosso país.
Importante notar que embora as Convenções, quando ratificadas pelos estados membros, constituam obrigações legais a serem implementadas em legislações nacionais, as Recomendações são instrumentos opcionais para guiar políticas nacionais.
A Convenção 103, conquanto mais ampla que a anterior, não inclui nem refere qualquer provisão a empregadas informais – a grande maioria das mulheres que trabalham – e permite aos estados-membros excluir categorias de trabalhadoras. Note-se que a OIT em 1958, 1994 e 1996 faz outras convenções ampliando a cobertura da proteção à maternidade para trabalhadoras agrícolas, aquelas em tempo parcial e a trabalhadoras em casa, respectivamente, Convenções 110, 175 e 177. Importante também a existência de uma Convenção sobre o trabalho do pessoal de enfermagem (N.149), lembrando que muitas são mulheres; e também a Convenção N.171 sobre trabalho noturno. Uma lista completa pode ser encontrada no website da OIT (4)
Muitos países passaram a ter legislações mais avançadas do que a própria OIT, quanto a período de licença-maternidade, repousos para amamentar na jornada de trabalho, etc. É o caso do Brasil, Chile, Costa Rica, Cuba, Venezuela.
A partir de 1997 a OIT revisou a Convenção de proteção a maternidade, no sentido de reformulá-la e adaptá-la aos dias atuais, permitindo que muitos países que não a ratificaram tivessem a chance de encontrar um texto mais flexível para fazê-lo. Foram votadas em 2000 a Convenção 183 e também a Recomendação 191. Estas foram ratificadas pelo quorum necessário de paises e já estão em vigor. O Brasil ainda não ratificou.
Os direitos e benefícios das mulheres trabalhadoras enquanto mães no Brasil
A nível nacional, 42.7% das mulheres em idade reprodutiva declaram trabalhar continuamente e outras 8.3% ocasionalmente (DHS/BEMFAM, 1996). Entre elas, 23% tem filhos menores de 5 anos.(5) A grande maioria de mulheres está no mercado informal.
Somente a mulher empregada com contrato de trabalho formal tem direito aos benefícios da legislação. As demais devem provar a relação permanente de trabalho na Justiça para tentar conseguir os benefícios. Outras tantas possuem o chamado emprego informal ou seja, uma forma atípica de relação de trabalho.
Uma das importantes conquistas desta última Convenção da OIT (183) foi a inclusão de trabalhadoras com “formas atípicas de trabalho” na sua cobertura.
No nosso país, desde a Constituição Federal de 1988, garante-se as mulheres com contrato de trabalho:
1. Licença maternidade:
2. Creches:
A necessidade de não trabalhar fora no posparto
A licença maternidade
É ainda controverso saber-se quanto tempo seria o ideal para a licença maternidade, e quando inicia-la, do ponto de vista da saúde da mulher. As interferências na saúde que podem ocorrer no final da gestação (devidas principalmente ao aumento de peso e conseqüente dificuldade na execução de tarefas com a mesma agilidade) levariam a pensar na necessidade desta licença ter início antes do parto; entretanto, muitas mulheres terminam a gestação sem nenhum problema, preferindo assim parar de trabalhar fora apenas quando nasce o bebê.
No período posparto, hoje se sabe que os problemas para a mulher podem variar desde anemia, cansaço, infecções, dor perineal até depressão puerperal.(7) São questões que interferem com a capacidade de volta ao trabalho relacionadas à própria mulher, sem levarmos em conta o fato de ela estar em período de lactação e ter , portanto, um bebê que dela depende quanto ao melhor alimento, afeto e cuidado. Para este, como já dito, sabe-se que o período ideal de amamentação exclusiva é de 6 meses, portanto este seria um período adequado de licença maternidade.
As pausas para amamentar
As interrupções no trabalho com a finalidade de amamentar já se reconheciam como necessárias desde 1919. Hoje se acredita que em uma jornada de 8 horas, 2 períodos de 30 minutos de pausas, além da interrupção normal devida ao horário de refeição no meio da jornada poderiam permitir a manutenção da lactação. Isto se viabiliza seja pela presença do bebê em uma creche no local de trabalho ou junto dele, seja pela extração de leite em local higienicamente apropriado que permita também a estocagem para levar posteriormente a ser dado ao bebê.
Um regulamento de uma hora de descanso no início ou no fim da jornada também pode ser interessante para aquelas mulheres que residem muito distante. Sabe-se que os bebês se adaptam a este suprimento e as mamas passam a produzir o leite necessário em volume e nos horários de maior demanda.
As pausas para amamentar ou extrair leite devem durar mais 6 meses depois da volta ao trabalho, permitindo assim a continuidade da amamentação com alimentos complementares depois do 6o mês.
Como construir a confiança da mãe lactante que trabalha
Não apenas a mulher que trabalha fora e não tem os benefícios da legislação (a maioria), mas todas as demais, necessitam de apoio de pessoal bem capacitado em aleitamento para que a amamentação seja bem sucedida. É comum ouvir-se delas e de profissionais de saúde que antes de voltar ao trabalho “é necessário ir preparando o bebê, acostumando-o com mamadeira”. Isto é verdade? Depende muito do momento posparto que a mãe tem que voltar a trabalhar, e dos arranjos possíveis quanto a proximidade deste bebê ou a extração de leite. Assim aconselha-se que toda mulher deve saber como ordenhar (ou extrair) leite das mamas.
A confiança na habilidade de manter a lactação depois da volta ao trabalho depende muito dos profissionais de saúde com quem a mãe se relaciona. Ele precisará saber ouvir a mãe, prestar atenção aos problemas que lhe são específicos, para ter uma dimensão por inteiro da problemática daquela mulher-mãe-trabalhadora. Algumas técnicas valem ser destacadas:
o estabelecer comunicação não verbal
o perguntar em aberto, evitando julgar
o mostrar interesse e empatia , ou seja, que você pode sentir o que mãe está sentindo.
o aceitar o que a mãe diz, cumprimentando-a pelo que está fazendo certo
o dar ajuda prática e algumas sugestões, nunca ordens
o dar informação relevante em linguagem simples (8)
As possibilidades de combinar trabalho e amamentação tem que ser pensadas juntas, entre mãe e profissional de saúde, levando em conta que cada situação é diferente de outra. Muitas vezes o/a profissional de saúde também foi/é mãe que trabalha e amamenta, e portanto já vivenciou problemas similares. Por isto é tão importante que a mulher sinta que está sendo ouvida , não se sinta culpada porque vai deixar o bebê e perceba que soluções podem ser encontradas.
A informação principal que uma mulher nestas condições necessita saber é que é possível manter a lactação mesmo quando separada de seu bebê. Para isto ela precisa estar segura no mínimo das seguintes informações:
1. a produção de leite é feita por um sistema de demanda-suprimento
2. quanto mais o bebê suga, mais leite é produzido; na ausência de sucção é essencial extrair leite. Dê o peito sempre que estiver com o bebê.
3. a prolactina, hormônio responsável pela produção de leite é produzida mais a noite; amamentar a noite ajuda a manter o suprimento;
4. se for dado outro alimento ao bebê, é importante evitar mamadeira porque esta é menos higiênica e pode causar confusão de bicos; é fácil alimentar um bebê com xícara, copinho ou colher, mas é preciso treinar aquele que vai fica com o bebê.
5. a duração total da licença maternidade deve ser usada para amamentar exclusivamente. Não há necessidade de “preparar” o bebê com mamadeira antes da volta ao trabalho; nesse período a mulher deve ser orientada a ordenhar e estocar no freezer seu leite, de preferência em pequenas quantidades (por exemplo, cubos de gelo) para que tenha um estoque pronto a ser dado ao bebê quando começar a se ausentar.
5. a mãe necessita reservar um tempo para extrair seu leite e também para amamentar, antes de ir trabalhar, com calma ou seja, acordando um pouco mais cedo do que necessitaria apenas para ir trabalhar. Amamentar o bebê depois que foi feita a ordenha, já que a sucção direta é mais eficiente e o bebê consegue retirar o que precisa.
Conclusão: a mulher enquanto trabalhadora deve ter todo o amparo social necessário para decidir ser mãe e amamentar apropriadamente. Desde 1988, o Ministério da Saúde apoiou, assim como grupos organizados da sociedade civil, a inclusão, na Constituição Brasileira de um período mais amplo de licença maternidade; todos os profissionais de saúde devem conhecer este e outros direitos da mãe trabalhadora para informa-la, para que ela possa reivindica-los. Além disso, eles devem conhecer todas as habilidades praticas de manter a lactação, apoiando e aconselhando a mãe quando esta necessita voltar ao trabalho.
Bibliografia
1. Recomendações da OMS e da OPAS, conforme “Declaração de Fortaleza”, de 1985, publicada no Lancet, de 24/agosto/1985)
2. Resolução da AMS (Assembléia Mundial de Saúde), OMS, 2001
3. Declaração de Innocenti.
4. OIT La protección de la Maternidad en el trabajo. Revisión del Convenio sobre la protección de la maternidad (revisado), 1952 (num. 103) y de la Recomendación sobre la protección de la maternidad, 1952 (num. 95). Informe V (1). Ginebra, Oficina Internacional del trabajo, 1997.
5. BEMFAM / Macro Internacional Inc./DHS Brasil – Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, 1996, março, 1997.
6.CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) – 25a edição atualizada e aumentada, 1999, Editora Saraiva.
7. World Health Organization. Postpartum care of the mother and newborn: a practical guide. WHO, Geneva, 1998.
8. Treffers, P. E. Health aspects of maternity protection, revisão preparada para a OMS, 2000. (mimeo, 8 pág.)
9. WHO/UNICEF Aconselhamento em Amamentação: um curso de treinamento. Guia do Treinador, 422 pág. Doc. original em inglês.
Marina Reá, é Medica sanitarista, PESQUISADORA CIENTIFICA VI do Instituto de Saúde, SES/São Paulo, consultora do Ministério da Saúde. Endereço : [email protected]