Licença maternidade de 180 dias
Realizou-se no dia 21 de março de 2007 uma audiência pública conjunta das Comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal para analisar o Projeto de Lei da Senadora Patrícia Saboya Gomes (PPS/CE) que cria o programa da Empresa Cidadã, com o objetivo de prorrogar a licença maternidade da empregada por 60 dias mediante incentivo fiscal.
Trata-se do PLS 281/2005 que leva apensado os seguintes projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal: PL 7070/2006, do deputado Paulo Lima (PMDB/SP) que estabelece a extensão de 60 dias mediante acordo ou convenção coletiva; PLS 190/2001 do Senador Luis Pontes (PSDB/CE), que prevê a prorrogação no caso de parto antecipado; do PL 2112/199 do Deputado Eduardo Jorge (PT/SP) que também estabelece uma prorrogação no caso de nascimento de prematuros; PL 2393/2003 do deputado Bernardo Ariston (PMDB/RJ); PLS 165/2006 do Senador Antonio Carlos Valadares (PSB/SE) que prorroga a licença paternidade em várias circunstancias; PL 5473/2005 do deputado Vic Pires Franco (PFL/PA) que dobra o período da licença maternidade em caso de gravidez gemelar.
A Senadora Patrícia Saboya tem lutado em favor de melhor proteção à mulher, à criança e ao adolescente. No caso da prorrogação da licença maternidade, conta com o apoio de muitas entidades, dentre elas, a Sociedade Brasileira de Pediatria que alinha argumentos técnicos e recomendações da Organização Mundial da Saúde para mostrar a necessidade de prorrogar o período de aleitamento materno e apoio afetivo das mães em relação aos recém nascidos.
No seu “site”, a Senadora indica 37 municípios e/ou estados do Brasil em que essa prorrogação já virou lei; 8 municípios em que a Câmara Municipal ou a Assembléia Legislativa já aprovaram o dispositivo, estando no aguardo da sanção do Poder Executivo respectivo; 13 municípios e um estado (Bahia) nos quais projetos semelhantes estão em tramitação. É claro que, em todos esses casos, a extensão da licença abrange apenas os funcionários públicos.
Os principais pontos do PLS 281/2005 são os seguintes:
1. Institui-se o Programa Empresa Cidadã.
2. A empresa adere a esse programa de forma voluntária
3. A prorrogação será de 60 dias
4. Deve ser solicitada pela empregada até o final do primeiro mês após o parto
5. Durante a prorrogação, a empregada terá direito à remuneração integral (igual a que foi paga durante o período de licença-maternidade).
6. Essa remuneração será paga pela Empresa-Cidadã
7. A empresa terá direito a deduzir o valor integral pago no cálculo do seu imposto de renda
8. A empregada não poderá exercer qualquer atividade durante a prorrogação
A proposta tem um forte cunho humanitário. Não há porque criticá-la nesse terreno. Além disso, o programa é de adesão voluntária. É a empresa que toma a iniciativa de aderir, estando dispensada até mesmo de negociação coletiva, acordo ou convenção coletiva.
Do ponto de vista trabalhista, a proposta está alinhada com os princípios defendidos pela escola moderna das relações do trabalho. A empresa é estimulada a ampliar um benefício mediante incentivo que lhe permite compensar as despesas. Se a ampliação não compensar ou criar outros problemas, a empresa não precisa aderir.
Os mecanismos de adesão voluntária, mesmo quando negociados com sindicatos são mais salutares do que os impostos por lei. No Brasil e no exterior há vários setores nos quais as negociações, acordos, convenções e contratos coletivos prevêem uma ampliação da licença maternidade.
O PLS 281/2005 não altera os dispositivos legais. Estes continuam sendo restritos a uma licença de 120 dias e paga pela Previdência Social. A propósito, esse comando legal, quando comparado como de outros países, é bastante generoso no caso do Brasil. Isso é o que se depreende da análise dos dados internacionais.
Como regra, a licença maternidade é paga pela Previdência Social. Na maioria dos países, o pagamento é igual ao valor do salário da empregada no último mês de trabalho. Mas, há vários casos em que esse valor é reduzido conforme mostram os dados abaixo.
No que tange à duração, a licença de 120 dias é igual ou superior à da maioria dos países do mundo, até mesmo dos membros da União Européia. A Tabela 1 indica com (*) os países que estão abaixo dos 120 dias do Brasil e com (**) os que estão acima. Os demais têm licença igual ao do Brasil.
Tabela 1. Licença Maternidade em Países Selecionados da Europa
Tabela 1. Licença Maternidade em Países Selecionados da Europa
Países
Duração
% do salário
Alemanha (*)
14 semanas
100 A licença pode ser ampliada mediante critérios
Áustria
16 semanas
100
..
(*) Países cuja duração da licença é menor do que a do Brasil.
(**) Países cuja duração da licença é maior do que a do Brasil
Fonte: Maternity Protection ILO Convention No. 183, June 2001, International Confederation of Free Trade Unions, the Public Services International and Education International
Dentre os países que estão abaixo dos 120 dias, destacam-se Alemanha, Bélgica, Israel, Malta, Portugal, Romênia, Suíça e Turquia.
Dentre os que dispõem de licenças semelhantes à do Brasil estão a Áustria, Espanha, Holanda, Luxemburgo, e Grécia, embora neste caso, com apenas 75% do salário.
Dentre os que estão acima do Brasil estão Dinamarca, França, Noruega, Itália (com 80% do salário), Rússia, Suécia e Ucrânia.
Se considerarmos como mais generosa a licença que dispõe de 10% a mais do que a brasileira, ficam nesse caso, apenas quatro países a França (16 a 26 semanas), Itália (5 meses), Rússia (140 dias) e Suécia (480 dias).
A Convenção 183 da OIT do ano 2000 recomenda que os estados membros procurem oferecem pelo menos 14 semanas de licença maternidade paga pela Previdência Social (ou outra disposição legal nacional). Entre os países selecionados na Tabela 1, estão abaixo desse limite a Israel, Malta, Suíça e Turquia.
A situação nas Américas é pior do que na União Européia. Na Tabela 2, há inúmeros países que possuem licença maternidade bem inferior aos 120 dias da brasileira. Tais países estão assinalados com (*).
Tabela 2. Licença Maternidade em Países Selecionados das Américas
Tabela 2. Licença Maternidade em Países Selecionados das Américas
Países
Duração
% do salário
Argentina (*)
90 dias
100
Bolívia (*)
60 dias
100 do sal. Mínimo + 70% acima do SM
Brasil
120 dias
100
…
(*) Países cuja duração da licença é menor do que a do Brasil.
(**) Países cuja duração da licença é maior do que a do Brasil
Fonte: Maternity Protection ILO Convention No. 183, June 2001, International Confederation of Free Trade Unions, the Public Services International and Education International
Há apenas quatro casos em que a licença supera os 120 dias do Brasil, a saber, Canadá, Chile, Cuba e Venezuela. No caso do Canadá, o valor do benefício é de 55% do salário para 15 semanas e nenhuma remuneração depois disso. Os Estados Unidos, assim como a Austrália, são os únicos dois países que não possuem legislação para licença remunerada no caso de gravidez. Quando ocorre, a licença é fruto de acerto entre empregado e empregador. Na maioria dos casos, porém, a remuneração é sustentada por sistemas de seguros privados e poupança pessoal. Mas, nos dois países, os servidores públicos, dependendo do estado, desfrutam de licenças remuneradas e pagas pelo governo (empregador).
Nas regiões da Ásia e do Pacifico, dá-se o mesmo. Com exceção da Austrália que concede um ano de licença sem remuneração, todos os demais países dessas regiões estão bem abaixo da situação brasileira, conforme indicado com (*) na Tabela 3.
Tabela 3. Licença Maternidade em Países Selecionados da Ásia e do Pacífico
Países
Duração
% do salário
Austrália (**)
1 ano
0
Cambódia (*)
90 dias
50
China (*)
90 dias
100
…
(*) Países cuja duração da licença é menor do que a do Brasil.
(**) Países cuja duração da licença é maior do que a do Brasil
Fonte: Maternity Protection ILO Convention No. 183, June 2001, International Confederation of Free Trade Unions, the Public Services International and Education International
A situação dos países da África é ainda mais dura. Os períodos de licença são muito curtos, a remuneração é menor do que a normal e a obediência às leis é extremamente precária. Angola e Etiópia oferecem apenas 90 dias. Guiné Bissau, Kenya, São Tomé e Príncipe, Sudão, e Moçambique, 60 dias; o Egito, 50 dias; a Tunísia 30 dias, com pagamento de 67% do salário.
Ou seja, à luz da situação internacional, o benefício garantido pela Constituição Federal e do Brasil e pela CLT é bastante razoável.
Mas, é claro que sempre se deve buscar o melhor. Muitos países da Europa vêm buscando matas mais ambiciosas. Mas, nesse caso, há razões demográficas, em especial, a estimulação da fecundidade. Muitos países têm reformulado as licenças maternidade e paternidade (além de outros benefícios) com elevar a taxa de fecundidade para, pelo menos, o nível de reposição que é de 2,1 filhos por mulher.
No Brasil a taxa de fecundidade ainda está bem acima desse nível – 3,02 filhos por mulher (dados da PNAD 2003). Agregando-se a isso os 0,37 filhos nascidos mortos, as mulheres brasileiras ainda têm 3,39 filhos em média. Nos grupos de baixa renda, essa taxa sobe mais. Nas favelas cariocas, por exemplo, a taxa de fecundidade é duas vezes maior do que a das mulheres que residem nos bairros mais ricos do Rio de Janeiro. No caso de adolescentes, a taxa de fecundidade é cinco vezes maior a média.
Na Europa, a maioria dos países enfrenta perdas de população de grande monta. Em 2005 nasceram 676 mil crianças na Alemanha. Em 1946 haviam nascido 922 mil. A mulher alemã tem apenas 1,37 filhos durante a sua vida – bem aquém da taxa de reposição da população (2,1).
Na Irlanda, a taxa de fecundidade é de apenas 1,99; na França, 1,90; na Noruega, 1,81; na Suécia, 1,75; na Inglaterra, 1,74; na Holanda, 1,73; na Itália, 1,33; na Espanha, 1,32; na Grécia, 1,29; na Polônia, 1,23. Esses países podem ficar com sérios déficits populacionais nos próximos 30 ou 40 o que afetará gravemente o crescimento econômico e as finanças públicas, em especial, as da Previdência Social. A Itália está arriscada a ter 14 milhões de italianos a menos em 2050.
Por isso, vários deles vêm tomando providencias no sentido de estimular a natalidade. Uma delas, é a extensão da licença maternidade. Até o momento, o estímulo vem sendo implementado através de campanhas para que as empresas expandam, por conta própria, a referida licença.
Além de ampliar a licença maternidade (e paternidade), os governos têm oferecido prêmios em dinheiro (“baby bônus”) para os casais terem mais filhos. Há alguns resultados animadores embora, continue crescendo, o estilo de vida sem crianças.
As medidas que tiveram mais sucesso nessa área são as que procuram facilitar a vida da mulher. A prorrogação da licença maternidade é uma delas. Mas, só isso não basta. Os países da Escandinávia tiveram mais sucesso quando passaram a financiar a construção de creches próximas do local de trabalho e flexibilizaram a jornada da mulher, permitindo que se afaste da empresa para amamentar e cuidar da criança. Além disso, criaram estímulos para os pais. A licença paternidade também foi ampliada em muitos casos. Tudo isso para permitir que o homem ajude a mulher nos trabalhos domésticos e nos cuidados dos filhos.
Tais esquemas são bastante caros. Na Suécia, por exemplo, cada cônjuge tem o direito de escolher uma licença que chega a um máximo de 18 meses, inteiramente paga pela Previdência Social. As creches e pré escolas são subsidiadas pelo governo e a flexibilização dos horários de trabalho dos pais fica por conta das empresas. Na Noruega, as mães podem se licenciar durante 12 meses com 80% do salário ou 10 meses com salário integral – pago com recursos de impostos. Os pais têm de se licenciar durante 4 semanas. Do contrário, esse período é perdido pelos dois cônjuges.
Quando se fala em utilizar a licença maternidade como incentivo para o crescimento demográfico, o tema cai fora da área trabalhista, embora tenha uma ligação com ela.
No caso do PLS 281/2005, a prorrogação da licença em 60 dias, deverá estimular a reprodução, elevando a taxa de fecundidade. Há que se considerar que esse benefício se somará a outros dois de grande importância na estimulação da natalidade, a saber, o salário família e a bolsa família, ambos mantidos com recursos do Estado.
É conveniente indagar se é esse o efeito que se pretende no Brasil e se a Secretaria da Receita Federal está de acordo em fazer a promoção da natalidade com recursos do Estado.
É conveniente ainda contrastar esse objetivo com as várias carências que ainda persistem nas áreas do emprego, da saúde, da educação e da segurança. A informalidade chega perto de 60% no Brasil e entre as mulheres ultrapassa esse percentual. Não seria mais prioritário aumentar a formalização e, portando, o número de gestantes que precisam gozar do direito atual (licença de 120 dias)?
Há questões de ordem prática que merecem ser examinadas à luz do que propõe o PLS 281/2005, a saber:
1. Uma vez aderindo a esse programa, a Empresa Cidadã pode desistir? Tem volta?
2. O pagamento habitual dessa prorrogação de licença é verba salarial. Sobre ela, incidem vários encargos sociais, inclusive FGTS. A empresa poderá abater todas as despesas do imposto de renda com essa prorrogação?
3. E as despesas de substituição da empregada durante a prorrogação? Poderão também ser abatidas do imposto de renda?
4. A prorrogação pode ser inferior a 60 dias mediante acordo entre empregada e empresa?
5. A prorrogação pode ser para uma parte do contingente feminino ou, uma vez aderindo ao programa, todas as mulheres que trabalham na Empresa Cidadã serão contempladas – inclusive as que não desejarem?
6. Como fazer quando a empresa que teve lucro no ano passado e teve IR a pagar, não tem este ano? Cancelar a prorrogação?
7. Por que não deixar esse assunto para o campo da negociação coletiva, como já está hoje?
8. Por que fazer o Estado gastar esses recursos se muitos setores já fazem essa concessão por acordo ou convenção, sem incentivo fiscal?
9. Como controlar que a empregada não venha a exercer outra atividade durante a prorrogação?
10. Qual será o efeito conjunto da prorrogação proposta, do salário família e da bolsa família?
À luz do exposto foi oportuna a convocação da referida audiência pública para se esclareçam tais pontos e se contraste o novo benefício com as crônicas carências das mulheres brasileiras, cuja maioria se encontra fora da proteção atual por trabalharem em condições precárias do mercado informal.
* José Pastore é sociólogo, especialista em relações do trabalho e desenvolvimento institucional,
professor da Faculdade de Economia e Administração e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas,
ambas da Universidade de São Paulo. É membro efetivo da Academia Paulista de Letras.
Leia a conferência completa no site www.josepastore.com.br