Síndrome de Couvade revela envolvimento emocional dos homens com a gravidez
07/09 – Agência Estado
Síndrome de Couvade revela envolvimento emocional dos homens com a gravidez Primeiro vieram os enjoos, acompanhados por aquele mal estar típico do início da gravidez. Depois foi a vez do desejo alimentar: uma semana de hambúrguer com queijo, vários dias à base de pizza.
O peso aumentou, o sono também. E foi então que o gestor de tecnologia, Cléber Chinelato, 34, entendeu porque os médicos contemporâneos adoram usar a expressão ‘casal grávido’.
Maridos participativos como ele, muito envolvidos na gestação do bebê, chegam a compartilhar com a parceira até os sintomas do período – quadro classificado como síndrome de Couvade. Não é doença: trata-se só da manifestação do impacto da paternidade sobre as emoções masculinas.
Chinelato não esconde que sua ansiedade é maior que a da própria grávida da casa, a delegada de polícia Roberta Maranfaldi, 36, no quarto mês de gestação. “Roberta enjoou pela primeira vez durante as férias que passávamos na Europa e eu senti o mesmo. Pensei que fosse pela comida do local, por ser diferente. Voltamos para casa e continuei sentindo a indisposição e a falta de vontade de comer, que durou praticamente dois meses”, conta ele. “Depois desta fase, passei a sentir desejos repentinos e até influenciei minha mulher, que até aquele momento tinha sentido poucas vontades. Na última vez, cheguei em casa querendo hambúrguer com queijo e maionese, desejo que durou vários dias. Depois, veio o da pizza. Com isso engordei uns três quilos.”
No caso do advogado Bruno Guarnieri, 29 anos, as oscilações de peso durante a gestação do primogênito Lucas foram ainda mais evidentes. “No início da gravidez parecia que ele estava meio aéreo, com uma ansiedade a mil. Era só chegar em casa que ficava abrindo a porta da geladeira a cada cinco minutos! Não foi à toa que engordou uns oito quilos já nos três primeiros meses. Eu, na verdade, ganhei no máximo um quilo nesse período”, conta a personal trainer Renata Guarnieri, 27 anos, que se prepara receber o bebê ainda em agosto. “Sabe o que achei mais legal? Foi a participação 100% dele. Se você perguntar sobre o curso de ‘grávidos’ que fizemos juntos, ele conta tudo que aprendemos nos mínimos detalhes. Acho que sabe até mais do que eu!”, orgulha-se.
Obstetra há mais de trinta anos e diretor da Pro Matre Paulista, Alberto D’Auria diz que mais da metade dos maridos tem algum sintoma da síndrome de Couvade. “A situação ficou mais frequente nos últimos três anos. A ansiedade, aliada a uma forte ligação afetiva com a parceira, transfere para o marido uma série de sensações que costumam se manifestar só na mulher. Isso reflete um momento social importante, com os pais participando bem mais da gravidez. Já não se vê mulher sozinha no pré-natal, o homem sai mais cedo do trabalho, faz de tudo para acompanhar o processo”, conta.
Segundo ele, os maridos se mostram solidários também diante das medidas restritivas impostas às mães. “Muitos deixam de fumar junto com a mulher, outros viram fiscais a serviço do médico: se é preciso ter uma dieta controlada, eles lotam a geladeira de alimentos com menos açúcar e gordura.”
As estimativas de D’Auria, calculadas com base em sua prática clínica, coincidem com as estatísticas de um estudo britânico sobre a síndrome de Couvade. Promovida pela Marketing Onepoll, uma das principais empresas de pesquisa da Inglaterra, a investigação apurou que 54% dos 5 mil voluntários tinham algum desconforto sentido pela parceira grávida. O principal deles foi justamente o ganho de peso: seis quilos, em média, além de cinco centímetros extras na cintura.
No livro “Bebê a Bordo: Guia para curtir a Gravidez a dois” (Editora Matrix), o médico Flávio Garcia de Oliveira acompanha as transformações do pai ao longo da gestação. Ele também discute o assunto no Blog da Fertilidade (www.clinicafgo.com.br). “Há pais que têm até depressão pós-parto”, garante. “Quem encara a paternidade em primeiro plano tem muito dos sintomas da Couvade. O homem deixou de ser o mero trabalhador da casa, até porque a mulher também trabalha. Hoje, homem e mulher são sócios em tudo.”
Diretora do Grupo de Apoio à Maternidade e Paternidade, o Gamp (www.gampcursos.com.br), a psicanalista Anna Mehoudar diz que a gravidez acentua as diferenças entre os sexos. “Há mais percepção do que falta em mim e o outro tem. O homem, inconscientemente, deseja experimentar o que a mulher está sentindo, é o fascínio pelo impossível. Ele não quer só chamar a atenção, apenas não pode controlar isso”, diz. “Além disso, o pai tem sido cada vez mais cobrado para que tenha comportamentos iguais aos da mãe ao cuidar do bebê. A Couvade também é um jeito de expressar isso.”
Para Ana, que coordena discussões sobre a paternidade no Gamp (Rodas de Pais), a Couvade pode indicar sintonia conjugal. “A gravidez aproxima ou afasta o casal. Quando há um bebê a mulher fica fascinada por ele. Aí, ou o homem é excluído e se desinteressa pela mulher, ou ele se fascina junto com ela e também engorda, acorda à noite para fazer xixi. São comportamentos descritos em tom de piada, mas na verdade dizem o quanto ele está envolvido no processo. É uma paternidade em gestação.”
Autora dos livros “Nós Estamos Grávidos” (Editora Saraiva) e “Psicologia da Gravidez” (Editora Vozes), a terapeuta Maria Tereza Maldonado explica que a paternidade exerce um forte impacto sobre o emocional masculino. “Em alguns esse impacto é tão intenso que chega a ser fisicamente sentido. Ele sente enjoos e náuseas pois embora não esteja fisicamente gestando,emocionalmente está, sim.”
Mestre em psicologia clínica, Maria Tereza compara a Couvade com a famosa hipótese de Sigmund Freud, fundador da psicanálise, sobre a possível inveja feminina com relação ao pênis. “Talvez ele não tenha visto o outro lado, que seria a inveja, ainda que inconsciente, do útero, desse poder de abrigar dentro de si uma nova vida.”
Boxe:
POR QUE COUVADE?
Couvade deriva de ‘couver’, termo francês que significa incubar. É o nome de um ritual difundido entre índios da América do Sul e da África, no qual o pai, depois que a mulher dá à luz, passa por um período de resguardo com o filho até que o cordão umbilical caia. Alguns pais chegam a usar roupas das parceiras durante a gestação pois acreditam que assim estariam desviando delas maus espíritos que poderiam atrapalhar a gravidez.
Imagem: de Miguel Paiva especial para o Grupo de Mães Amigas do Peito – início dos anos 80