A criança precisa conhecer seu pai,
não só por uma questão legal,
mas principalmente pela necessidade emocional
Luciene Correia, de Salvador – BA para a Revista do Setor3 – SENAC
O princípio da paternidade responsável, inserido no direito do estado de filiação, está garantido na Constituição Federal, no art. 227, pois é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar, colocando-os a salvo de toda forma de discriminação.
De forma explícita, esse princípio foi incluído no artigo 27, da Lei nº. 8.069/90, conhecido como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este artigo reconhece o estado de filiação como um direito pessoal, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 1989, ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, dispõe que toda criança terá direito de conhecer seus pais e ser cuidada por eles.
A partir daí, o direito da criança ao reconhecimento do seu estado de filho, que antes da Constituição era impedido em algumas situações pelo Código Civil de 1916 – no caso de filhos ilegítimos, adulterinos e incestuosos, de acordo com o art. 358 do Código Civil – passa a ser absoluto e pode ser exercido a qualquer tempo e pelos herdeiros dos pais, considerando-se de natureza pessoal.
A advogada Sonia Regina Carvalho, pesquisadora em Direito da Família, disse que as leis são importantes, como o artigo 2º da nº. 9.263/96 que regulamentou o parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição, estabelecendo o planejamento familiar como “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”. Sonia alerta para o fato de não haver a consciência de homens e de mulheres diante da possibilidade de ter um filho. “As pessoas geram um ser humano com tanta facilidade, com irresponsabilidade e tratam a gravidez como um acidente, como se não pudesse ser evitado. O antes é crucial. Não compreendo mães que lamentam uma gravidez não planejada.”
O que vem depois são apenas as conseqüências de um gesto impensado, argumenta a advogada. Ela explica que os conflitos familiares geralmente são provocados por brigas, separação, falta de recursos e de paciência para cuidar da criança, e exigência de pensão alimentícia. Todos sofrem com isso, porém o único inocente é o filho.
Na opinião de Sueli Caramello Uliano, presidente do Conselho da ONG Família Viva, não se pode julgar que crianças indesejadas são fortes candidatas à delinqüência para justificar a interrupção de uma gravidez. “Estou avaliando a forma cruel como essa questão é abordada por muitos hoje em dia. Em última análise, considera-se que se deve tratar o assunto com a criança assim: eliminando-a. Tendo em vista esse quadro, acredito que a criança é um bem em si mesmo, independentemente da forma como foi gerada, seja com irresponsabilidade do casal, seja um caso de sedução ou mesmo um estupro. O valor de uma pessoa não reside no fato de ela ser desejada, querida, de ser um bem para os outros. Isso significa que ela tem todo direito de nascer e que sua vida deve ser respeitada incondicionalmente. Uma vez nascida, para o seu pleno desenvolvimento, essa criança tem de sentir que é muito amada e que nunca ficará ao desamparo. Ela tem esse direito.”
Por isso, de acordo com Sueli, iniciativas como a do Projeto Paternidade Responsável são relevantes. Este trabalho tem um papel fundamental para toda a família. “Para a criança, me parece muito humilhante apresentar um documento sem o nome do pai, não é? Do ponto de vista da família, os estudos antropológicos evidenciam que a noção de família é essencial, não é uma questão política, que posso alterar conforme as conveniências. É na família que a pessoa se forma, se desenvolve em todos os aspectos. Com a frustração desse convívio, não é difícil criar filhos revoltados, suscetíveis a buscar as suas emoções no álcool e nas drogas. Portanto, fundamentar as raízes da criança é dar-lhe bases para desenvolver-se como ser humano e, em decorrência, como cidadão.”
A pedagoga Luciana Pontes, que trabalha numa escolinha que atende crianças em nível pré-escolar, confirma a necessidade das crianças terem um pai. “Uma situação corriqueira: um garotinho fala sobre um passeio com o pai, no fim de semana, mesmo que não more na mesma casa. O entusiasmo desse menino desperta nos demais sentimentos diferentes: bons e ruins. Um trata com desdém, outro compartilha, outro fica tristinho e não interage o resto do dia”, conta.
Diante da mudança de comportamento de um aluno, Luciana solicita uma conversa com a mãe. “Sinto que muitas vezes, é a mãe que evita e até impede que o pai se aproxime do filho. É uma mágoa, um rancor, um orgulho que provoca o afastamento. Tento convencê-la a resgatar a presença do pai, e enfatizo que é para o bem do desenvolvimento da criança. Mas a resistência é grande.”
O discurso das mães, segundo a pedagoga, é o de que o pai é dispensável na criação do filho. Muitas se consideram auto-suficientes na criação de seus filhos e associam educação com dinheiro. Luciana defende que família é mais que mãe e a criança precisa da convivência do pai e de seu carinho, exceto as situações de falecimento, abandono e desconhecimento do pai. Por isso, ela considera o Projeto Paternidade Responsável determinante.
Para o especialista em educação infantil, José Gomes Neto, nada substitui a vida saudável criança tem direito à convivência com pai, mãe, irmãos e outros parentes. Mas, se não é possível todos estarem juntos, é inadmissível que, numa festinha na escola, por exemplo, a criança olhe para a platéia e não encontre os pais.”
Quando a criança é pequena, acrescentou o educador, a mãe é tudo do que ela precisa, mas, depois, a comparação com a família dos amigos é inevitável. “Não é justo privar a criança de um pai. Se não for possível a presença, por conta de violência doméstica, conduta inapropriada, deve-se pensar numa forma de visitas esporádicas, contato telefônico ou cartas. Mas o que não pode é um adulto não ter a história de sua origem, na versão da mãe, mas também do pai. Uma criança nasce do masculino e do feminino. A imagem dos dois deve existir. Nem que seja só por foto.”
Sueli ressalta que a vida da criança é essencial e não se pode julgar inferior aquela que por alguma razão desconhece seu pai. “Muito menos se o pai não a reconhece, a mãe deve estar disposta a ser pai e mãe. A criança precisa perceber isso de forma concreta, ou seja, a mãe deve estar presente até nas festinhas do Dia dos Pais. Haverá prejuízo na formação da própria identidade? Algum prejuízo terá. Mas não se pode pensar que seja uma dificuldade insuperável. O avô ou um tio podem ocupar o espaço do pai de modo a amenizar essa perda”, avalia.
Nesse contexto, ela alerta quando a mulher busca, mais do que busca um pai substituto, um companheiro, pois nem sempre este homem está disposto a assumir o enteado. Muitos casos de exploração sexual, por exemplo, se refere a casos de desrespeito dos padrastos aos enteados, além da violência física. Por isso, esta mãe precisa avaliar bem seu futuro companheiro, priorizando seu filho.
Para a presidente do Conselho da ONG, fortalecer a família é fortalecer a sociedade, porque se criam pessoas mais conscientes, menos egoístas, mais solidárias. “Para fortalecer a família é preciso fortalecer a mulher, de modo que não se deixe usar, que aposte no valor de um lar bem constituído antes de entregar a sua intimidade psicofísica a um homem. A família é o melhor lugar para uma pessoa crescer com saúde em todas as suas dimensões”, conclui.
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