” PELO APEITAMENTO PATERNO ! “…
A CAMPANHA QUE URGE.
O aleitamento materno tem – feliz, legítima, e merecidamente – sido (re)valorizado nos últimos anos. Nossas crianças pós modernas, que continuam sendo fruto de uma mãe e de um pai, não querem só comida : querem sabores, odores, toques, intuições, inspirações, “insights”, conexões; e querem tudo isso múltiplo, multifacetado, porque já nascem absorvendo – cada vez mais rapidamente – a idéia de que a oferta plural de informações deveria oferecer uma melhor qualidade de cardápios de escolhas vitais; de escolhas compartilháveis, fraternas, solidárias, e democráticas para a construção de alguma coisa que mereça o nome de ” futuro”, que possam e consigam, aliás, chamar de “seu”.
Homens não têm leite, mas têm peito.
Peito ora heróico, ora covarde, ora pau-prá-toda-obra, ora omisso, ora vanguardista, ora conservador, ora quente e fofo, ora duro e fugidio, ora justo, hora abusador, ora forte, ora frágil, ora exultante, ora desiludido, ora heterossexual, ora homossexual, ora bi, ora trans, ora pan, (e daí?), ora sábio, ora não.
Humano, sempre.
E o principal : com “cara” própria; a tal da IDENTIDADE…
O acolhimento do leite materno poderá estar “colorido” por um leque infinito de sabores, que varie do mais amargo ao mais sufocantemente adocicado; mas um ponto tangencial a todos estes sabores estará sempre presente lá : algo que mereça o (circunstancial) nome de “perfil FEMININO”; androginias têm limite .
O acolhimento do peito paterno poderá transitar por igualmente infinito (mesmo que de outro tipo) leque de odores; mas um certo ponto de odor estará sempre presente lá: algo que mereça o (circunstancial) nome de “perfil MASCULINO”; limites idem…
A experiência como psicóloga nas Escolas Carolina Patrício, Educação Convencional e Educação Especial me confirmou a importância do significado de tudo isso, entre os presentes (e futuros) homens, e as presentes (e futuras) mulheres.
Exigi que os pais (homens) comparecessem às entrevistas de família.
Após vencer alguns momentos de previsível resistência, onde (por exemplo) alguns pais alegavam que “…não podiam freqüentar as atividades da Escola devido o horário de suas atividades profissionais”… (me obrigando a lembrar o óbvio, isto é, que as mães, hoje em dia, também têm atividade profissional, e nem por isso deixam de comparecer às escolas de seus filhos quando necessário), e vencer, evitando culpabilizá-los ou “demonizá-los” (preferindo acolhê-los fraternalmente), outras histórias emergiram, e passaram a somar, multiplicar, se repetir, (re)desenhando o conceito da paternagem.
A mais recorrente se caracterizava pela afirmação “… Não sei muito bem o que fazer para me relacionar com meus filhos, não sei muito bem o que fazer com esse tal papel de Pai, porque a relação do meu próprio pai comigo simplesmente não aconteceu, não existiu, não se concretizou”…
Em segundo lugar, vinham as dificuldades referentes a diferentes tipos e graduações de constrangimentos, decorrentes de prováveis inabilidades de mães, ao compartilhar o educar e o guardar estes filhos, com estes pais homens.
Percebi que minha preocupação em dar espaço e escuta (ao invés de somar queixas, acusações, culpabilidade e demonizações) a estes seres nascidos com sexo masculino provocava uma resposta ainda mais eloqüente do que a que eu esperava.
Na Escola voltada para a Educação Especial esta resposta parecia mesmo “gritar”, já que freqüentemente estes pais homens , despreparados como os demais para a paternidade, mas “em dobro” para a paternidade de filhos especiais, eram culpabilizados pelo esfacelamento familiar, na medida em que – de fato – abandonavam (em pânico evidente) seus lares, pouco tempo após o nascimento de seus bebês especiais.
Este imenso contingente de homens, já carentes de relação satisfatória (e sinalizante de identidade) com seus próprios pais homens, foi inclusive, praticamente, proibida de “brincar de boneca” – isto é – de “brincar de pai”, por exemplo, na infância.
Com freqüência assustadora, suas companheiras continuam reafirmando sua suposta “incompetência” nas atividades cuidadoras, desqualificando suas iniciativas.
Na Escola, um trabalho especialmente direcionado para estas questões começa a amadurecer; trabalhar com as crianças passou a significar trabalhar questões convergentes: com os pais, mas também com as mães, pois estas parecem ainda habituadas com papéis viciante e improdutivamente vitimizados e acusadores.
Decidi criar a CAMPANHA PELO APEITAMENTO PATERNO, buscando colaborar no deflagramento da possibilidade de (re)construção de pais afirmativos, criativos; pais homens mais conscientes de si, dos exercícios de SER e de ser PAI , e casais mais conscientes de que podem arriscar experimentar novas conjugalidades.
Claro que a possibilidade da iniciativa de campanhas como essa, desenvolvidas por figuras masculinas me deixaria ainda mais feliz. Felicidade que já nasceu, pois ricas iniciativas semelhantes têm aparecido, inclusive em solo brasileiro, como o movimento pelos Direitos à Paternidade do Dr. Marcus Renato de Carvalho no Rio de Janeiro, e outros trabalhos preocupados com a Identidade Masculina, como os do Dr. Luis Cuschnir em São Paulo, e os das ONGs Noos e Promundo também no Rio de Janeiro, ou Papai, em Pernambuco, entre outras, que têm buscado intensa e permanente conexão .
Tão afirmativo e criativo quanto isso, me parece a qualidade da performance destes profissionais brasileiros, que – ao contrário de seus colegas britânicos – não sentiram a necessidade de se vestir de Batman ou Robin, (arriscando alardear um provável processo de infantilização desta geração de homens, para divulgar suas campanhas).
Se urge que os seres nascidos com sexo masculino reflitam suas próprias questões, urge também que os seres nascidos com sexo feminino sejam (ainda!) estimulados a ouvir (ainda!) mais e a acusar menos, dando tempo e espaço para que as reflexões masculinas (supostamente tão almejadas pelo contingente feminino) se sinta de fato à vontade para emergir e agir, o que permitirá amadurecer suas identidade e potência.
Patriarcado e patriarcalismo não são fenômenos necessariamente gerados e alimentados por seres nascidos com sexo masculino: esta é outra reflexão compartilhável, fraterna, solidária e democrática que desenvolvi melhor em minha monografia “Homem ainda não existe” (sobre a construção do ator social masculino pós moderno, na PUC RJ, Departamento de Sociologia 2002 – 2003), mas que, aqui, deixo para um próximo texto.
CRISTINA MONTENEGRO, CRP 1159-05
Psicóloga e Supervisora em Psicologia Clínica
Especialista em Sociologia Política e Cultura pela PUC RJ
Especialista em Psicopedagogia e Psicologia Clínica pelo Conselho Federal Psicologia.
Bacharel em Artes pela Universidade do Rio de Janeiro.