Leite materno: fonte de vida
De todos os alimentos, um é especial. O mais poderoso, o mais completo, e que não custa nada. Uma mistura natural de comida e remédio que às vezes pode fazer a diferença entre viver e morrer.
“Eu fiquei assustada quando eu cheguei no berço da Giovanna e ela não respondia”, conta Bárbara Maria Nogueira, mãe da menina.
Por causa de um remédio que tomou para conter um sangramento, Bárbara viu o leite do peito secar, e Giovanna teve que receber complemento alimentar. Mas algo estranho aconteceu. A criança apresentava todos os sintomas de envenenamento, problema que os médicos não resolviam.
“Eles achavam que ela não ia resistir”, diz Bárbara.
Começava uma corrida contra o tempo. A menina passou por sete hospitais, pelas mãos de mais de 20 médicos e chegou a ter uma parada cardíaca.
Durante seis meses, o quarto pronto para receber o bebê ficou vazio enquanto a família tentava descobrir o que os médicos não conseguiam. Vendo a menina piorar e perder peso a cada dia, mãe e avó decidiram monitorar a criança, compraram aparelhos para fazer exames, começaram a estudar o assunto e acabaram descobrindo o remédio que salvou a vida de Giovanna: o leite materno.
“Esse leite foi a vida da Giovanna”, ressalta Bárbara.
Hoje, já se sabe que a menina nasceu com uma doença rara. O organismo dela rejeita alguns alimentos, entre eles, o complemento que recebia no hospital. O leite materno, vindo de doadoras anônimas do Banco de Leite, deu forças para Giovanna reagir e sobreviver.
Por causa da doença, hoje ela precisa de alimentação especial importada. Por isso, o prato de feijão com legumes é uma conquista no cardápio. A alegria de ver Giovanna irrequieta e brincalhona enche a todos de felicidade.
“A gente deve a vida da Giovanna a esse leite. Sem ele, não sei o que a gente teria dado para ela”, comenta a mãe da menina.
Vitória também foi salva. Na UTI do hospital, ela ainda luta para ganhar peso. Nasceu prematura, e o estresse vivido pela mãe bloqueou a produção de leite. Ela depende de doação, e as chances correm contra a menina.
Leite materno é raro. Com 6 milhões de habitantes, o Rio de Janeiro tem em média só 250 doadoras por mês. Vanúbia Nogueira é uma delas. O que o filho não aproveita, vai para o Banco de Leite. Cada vidro é especial. E Vanúbia não fazia idéia do que acontecia com suas doações.
“Não sabia para onde meu leite estava indo”, conta a doadora.
De doação em doação, Vitória passou de frágeis 400 gramas para 1,5 quilo em três meses.
“O primeiro dia foi difícil. Foi uma emoção muito grande ver aquela criança pequenininha e não dar nada. Aí vem o leite, que dá essa vida. É uma alegria muito grande”, comemora Zaqueu Tinoco Leite, pai de Vitória.
“O leite é símbolo de vida”, diz Vanderléia César Leite, mãe de Vitória.
“Eu doava, mas não tinha idéia do que estava fazendo. Agora vejo que não estou doando só leite, estou doando vida também”, constata Vanúbia.
Hoje a medicina já sabe que o poder do leite materno vai bem além do que a alimentação do bebê. A ciência já descobriu, por exemplo, que enquanto a criança estiver mamando no peito, ela não pega cólera nem dengue. E em um consultório, uma surpresa: a médica receita leite materno como colírio.
Substituindo antibióticos, antiinflamatórios e cicatrizantes, o leite materno usado nos olhos do bebê elimina secreções e combate a conjuntivite.
A pediatra Isa Yoshikawa de Souza, acostumada a atender as centenas de mães que procuram o Instituto Fernandes Filgueiras, no Rio, ensina como funciona o colírio materno.
“A mãe pode espirrar o leite materno nos olhos do bebê. E depois, ela deve fazer o leite entrar no olhinho dele. Vai ficar um pouquinho lambuzado, mas isso não tem problema. Para o bebê não ficar irritado, a mãe volta a dar o peito. Nessa hora, o leite está agindo contra os microorganismos. Quando terminar a mamada, limpa-se a sujeirinha toda. O resultado é excelente. Em três ou quatro dias não se vê mais a secreção no olhinho da criança”, garante a médica.
Nos últimos anos, a ciência já descobriu e comprovou outras propriedades impressionantes do leite materno. Cada gota carrega também uma espécie de herança saudável.
“O leite humano constrói uma espécie de memória sócio-biológica. Toda a proteção a proteção imunológica que a mulher constrói ao longo de sua vida se transfere para a criança no momento da amamentação”, explica o coordenador da rede nacional de Banco de Leite Materno, João Aprígio Guerra.
E sabe aquela esperteza incomum que vários bebês aparentam nos primeiros meses de vida? A ciência tem uma explicação.
“O leite é o remédio da inteligência. Estudos mostram que crianças amamentadas por períodos corretos, em regime exclusivo até o sexto mês de vida, em amamentação continuada até o segundo ano, têm um quociente de inteligência maior do que aquelas que são desmamadas precocemente. Esse é o segredo do bebe esperto”, revela João Aprígio Guerra.
“O leite humano previne, por exemplo, a obesidade no adulto, e diminui o risco de ocorrências cardiovasculares e linfomas. Estudos mostram que a própria diabetes insulino-dependente pode ter o risco agravado se a criança for desmamada precocemente”, continua João.
Para a pediatra Isa Yoshikawa de Souza, a pesquisa do leite materno pode revelar novas propriedades dessa substância quase milagrosa.
“Dentro do leite tem de tudo: vacinas, fatores cicatrizantes, antibióticos, nutrientes, e tem amor, coisa que a gente não consegue ver. Tem tudo! Ele é completo, em todos os sentidos”, afirma a pediatra.
Com tantos benefícios, o desconhecimento ainda é o principal inimigo de mães e bebês. Uma pesquisa do Instituto Fernandes Filgueiras revelou que 78% das mães disseram que interromperam a amamentação porque consideraram o leite que produziam fraco.
Alessandra Abrantes, mãe de Graziela, percebeu que o bebê perdeu peso logo após nascer. Não sabia que era só a perda normal de líquidos que acontece nas primeiras semana de vida.
“Quando ela começou a perder peso, achei que ainda estivesse com fome e que o leite não era suficiente. Os dias iam passando e eu via que as bochechinhas estavam diminuindo. Aí, bateu uma certa insegurança”, conta Alessandra.
A mãe insegura trocou o peito pela mamadeira com complemento alimentar. O crescimento do bebê foi interrompido. Agora, com ajuda das médicas, ela está tendo que aprender a confiar no poder do pouco leite que sai do peito.
“Na verdade, quem está alimentando o bebe é o leite”, diz a pediatra Marlene Roque Assumpção. “O neném cresceu, engordou, está ótimo”, avalia a médica.
A dona de casa Solange Marluz César da Silva sabe de onde vem toda essa energia da filha Natiele. Até os 4 meses de vida, a menina era quieta, tinha movimentos lentos, vivia doente no hospital. Mas a saúde de Natiele começou a mudar depois que Solange aprendeu a amamentar no Banco de Leite.
“Ela pegou o meu peito e em uma semana engordou 300 gramas. As doenças acabaram. Vou continuar amamentando enquanto ela quiser. Você sabe que tem uma coisa em você que cura o seu filho. Isso é inexplicável, sublime”, diz a mãe da menina.