Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada
Recomendada pela Organização Mundial da Saúde, por meio do passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, a amamentação na primeira hora de vida do bebê recém-nascido não é seguida em muitas maternidades brasileiras. A busca pelos fatores que interferem no tempo entre o nascimento do bebê e o primeiro aleitamento materno foi objeto de estudo da dissertação de mestrado de Cristiano Siqueira Boccolini na ENSP. A pesquisa, que foi publicada nos Cadernos de Saúde Pública (v.24 n.11), trouxe resultados que apontam a influência das maternidades privadas e do parto cesariano no tempo da primeira amamentação.
Alguns fatores biológicos inerentes podem influenciar no tempo da primeira mamada, como recém-nascidos com baixo peso ou anomalias congênitas. Outro caso é o das mães HIV positivas, que correm o risco de transmitir o vírus à criança na amamentação. No entanto, além de fatores biológicos, fatores relacionados ao hospital e ao tipo de parto são fundamentais para o não cumprimento da recomendação da OMS.
De acordo com Cristiano Boccolini, a amamentação até a primeira hora de vida é importante para fortalecer o vínculo entre a mãe e o bebê, aumentar a duração e garantir o sucesso do aleitamento materno, além de reduzir o risco de mortalidade neonatal, que pode ocorrer até os 28 dias de vida. “É um momento em que, depois de nove meses, toda a expectativa da mãe se torna realidade. Ela pode tocar, sentir a criança, afora todos os aspectos e fatores de produção científicos que o aleitamento traz. Os riscos de mortalidade neonatal são em função do seguinte: o colostro, primeira produção de leite da mãe, permanece de um a dois dias, e metade de sua quantidade protéica é composta de fatores imunológicos que são passados para a criança e protegem todo o sistema intestinal, digestivo e pulmonar. Ele protege o recém-nascido do meio ambiente e das agressões bacterianas em geral”, explicou.
Um dos fatores que retarda o tempo entre o nascimento e a primeira mamada é a pratica de se colocar a criança em berçários de unidades neonatal desnecessariamente. Segundo Cristiano, que é chefe de nutrição do Hospital Herculano Pinheiro, mesmo a criança não tendo nenhuma doença associada ou nenhuma ocorrência após o parto, algumas maternidades as colocam em incubadoras, enquanto o próprio corpo da mãe poderia aquecê-las. E foi a diferente rotina das maternidades com os bebês que motivou a pesquisa.
As maternidades, em média, demoram até seis horas para que a criança inicie o aleitamento materno
O passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança existe desde 1992 e não é seguido em diversas maternidades brasileiras, principalmente nas privadas. Dados do estudo revelam que o tempo mediano ate o início do aleitamento materno é de quatro horas para o parto normal e dez horas para o parto cesariano. “As maternidades, em média, demoram até seis horas para que a criança inicie o aleitamento materno. Existe uma discrepância grande sobre o que é recomendado e o que acontece”. Boccolini completou afirmando que as maternidades públicas, tradicionalmente, investem nas políticas que são preconizadas pelo MS. “Existe um condicionamento e maior aceitação dos gestores em implementar as políticas públicas. Há uma maior sensibilização. Por outro lado, as maternidades particulares não têm rotinas para incentivar o aleitamento, o parto humanizado, e há uma rotatividade grande de profissionais, que muitas vezes vão à maternidade para fazer quatro, cinco partos e vão embora. Essa diferença é muito em função disso”.
Cesariana x parto vaginal
A pesquisa também demonstrou que 82% das mães que tiveram parto normal conseguiram amamentar nas primeiras horas, enquanto a estatística foi de 72% para as que tiveram parto cesariano. “O parto cesariano, por si só, já é um determinante radical do sucesso da amamentação. Nesse tipo de parto, a mãe recebe uma dose de anestesia que muitas vezes não é incapacitante, mas os médicos recomendam que ela fique de repouso, que fique deitada, que não sente. Então, essa falta de mobilidade dificulta que a mãe pegue a criança e a leve ao seio”.
Ainda de acordo com Cristiano, que, no momento, é doutorando do Programa de Epidemiologia em Saúde Pública da ENSP, um fator que acelera no tempo até a primeira mamada é a presença de acompanhante ou não. “As mulheres com acompanhante conseguem iniciar o aleitamento materno mais cedo, pois conseguem vencer melhor as dificuldades impostas pelo parto”.
O passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança é um tema relevante e foi discutido em diversos países na Semana Mundial de Aleitamento Materno de 2007.
O Artigo nos Cadernos de Saúde Pública teve como co-autoras as pesquisadoras da ENSP, Márcia Lázaro de Carvalho, Maria do Carmo Leal e Marilia Sá Carvalho, além de Maria Inês Couto de Oliveira, da UFF.