Recomendações para alimentação complementar da criança em aleitamento materno
Recommendations for the complementary feeding of the breastfed child
J Pediatr (Rio J). 2004;80(5 Supl):S131-41: Alimentação complementar, aleitamento materno, nutrição infantil, dieta, desmame.
Objetivo: Apresentar uma revisão sobre as evidências que embasam as recomendações atuais da alimentação complementar de crianças em aleitamento materno.
Fontes de dados: Foi realizada extensa revisão bibliográfica sobre o tópico, tendo sido consultados artigos selecionados a partir de pesquisa das bases de dados MEDLINE e Lilacs, publicações de organismos nacionais e internacionais, dissertações e teses. Alguns artigos-chave foram selecionados a partir de citações em outros artigos.
Síntese dos dados: Novos conhecimentos sobre alimentação infantil adquiridos nos últimos 20 anos resultaram em mudanças significativas nas atuais recomendações alimentares de crianças amamentadas em relação às recomendações anteriores. As atuais necessidades nutricionais recomendadas são menores que as anteriores, os alimentos complementares são introduzidos em uma idade mais precisa, em torno dos 6 meses, e são recomendados novos métodos de promoção da alimentação saudável da criança. As novas recomendações enfatizam as práticas alimentares saudáveis, as quais englobam tanto a quantidade quanto a qualidade adequadas dos alimentos, inclusive o cuidado com o manuseio, preparo, administração e armazenamento dos alimentos e o respeito e adequação às características culturais de cada povo.
Conclusões: A alimentação complementar adequada da criança em aleitamento materno é crítica para o ótimo crescimento e desenvolvimento da criança. Portanto, é um fator essencial para a segurança alimentar e para o desenvolvimento das populações e seus países. Cabe aos profissionais de saúde repassar efetivamente às mães/cuidadores as novas recomendações para a promoção da alimentação complementar saudável da criança amamentada. Cabe aos governos propiciar as condições adequadas para essa promoção.
Cristina M. G. Monte – Doutora em Nutrição Humana, London School of Hygiene and Tropical Medicine, Universidade de Londres. Pesquisadora em Nutrição Materno-Infantil, Unidade de Pesquisas Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE.
Elsa R. J. Giugliani – Professora de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutora pela Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. Especialista em aleitamento materno pelo International Board of Lactation Consultant Examiners. Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da SBP.
A alimentação da criança desde o nascimento e nos primeiros anos de vida tem repercussões ao longo de toda a vida do indivíduo. Sabe-se que o aleitamento materno é um importante componente da alimentação infantil ótima. O leite materno, isoladamente, é capaz de nutrir adequadamente as crianças nos primeiros 6 meses de vida; porém, a partir desse período, deve ser complementado. A adequação nutricional dos alimentos complementares é fundamental na prevenção de morbimortalidade na infância, incluindo desnutrição e sobrepeso (1). O déficit de crescimento linear adquirido cedo na infância é difícil de ser revertido após os 2 anos (2). Nesse contexto, atingir a alimentação ótima para a maioria das crianças pequenas deve ser um componente essencial da estratégia global para assegurar a segurança alimentar de uma população. Embora seja atribuição dos profissionais de saúde a sua promoção e das mães a sua execução, o sucesso final da ação depende também da definição de políticas governamentais adequadas (3) e da participação e apoio de toda a sociedade civil (4).
Nos últimos anos, têm ocorrido avanços importantes na promoção da amamentação, mas, infelizmente, a promoção da alimentação complementar tem tido menos progressos (5,6). Novos conhecimentos sobre alimentação infantil adquiridos nos últimos 20 anos tornaram ultrapassados muitos conceitos e recomendações que fizeram parte da prática pediátrica por muito tempo. No entanto, uma parcela da população, incluindo profissionais de saúde, desconhece os avanços científicos nessa área (5,6). Este artigo faz uma revisão das evidências que embasam as recomendações atuais da alimentação complementar da criança amamentada, contribuindo, assim, para a promoção da alimentação saudável dessas crianças no Brasil.
Definições
Alimentação complementar é definida como a alimentação no período em que outros alimentos ou líquidos são oferecidos à criança, em adição ao leite materno. Alimento complementar é qualquer alimento dado durante o período de alimentação complementar e que não seja leite materno (5). Os alimentos complementares podem ser preparados especialmente para a criança ou podem ser os alimentos consumidos pelos demais membros da família, modificados para atender às habilidades e necessidades da criança. No primeiro caso, são chamados alimentos transicionais, e no segundo, não há uma denominação específica (5). Os termos referentes à alimentação infantil utilizados neste artigo são os atualmente recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotados internacionalmente (5,6), inclusive no Brasil (7). Os termos “alimentos de desmame” e “alimentação suplementar”, amplamente utilizados há longo tempo, não são recomendados como sinônimos de alimentação complementar, pois sua utilização é errônea (8) e pode dar a impressão de que os alimentos são introduzidos para substituir o leite materno, provocando o desmame em vez de complementar a amamentação (7,9).O uso do termo “desmame” é desaconselhável, pois em vários países (3), inclusive no Brasil, ele pode ser entendido como a parada total da amamentação (6,7), podendo gerar confusão na promoção do aleitamento materno. O termo “desmame” anteriormente era utilizado para indicar o período de transição entre a amamentação exclusiva e a interrupção do aleitamento materno. Atualmente, utiliza-se o termo “desmame total” para indicar a parada total da amamentação (5).
Introdução dos alimentos complementares em tempo oportuno
Duração ótima do aleitamento materno exclusivo
As dúvidas e controvérsias sobre a duração apropriada da amamentação exclusiva, surgidas no final dos anos 70 e expressas no chamado “dilema de desmame” (10) , persistiram até o ano de 2001, quando, após a 54ª Assembléia Mundial de Saúde, a OMS recomendou a introdução de alimentos complementares em torno dos 6 meses em substituição à recomendação anterior, que era de 4 a 6 meses, e integrou essa mudança na sua recomendação para a saúde pública global (11). A decisão seguiu-se à publicação de um relatório abordando as evidências sobre a duração ótima do aleitamento materno exclusivo (12-14). No entanto, só em 2002 (13) se atingiu, afinal, o consenso mundial de que não há nenhum benefício que possa ultrapassar os riscos e as desvantagens da introdução precoce de alimentos complementares, antes dos 180 dias de vida (6). No âmbito populacional, constatou-se que crianças amamentadas exclusivamente até os 6 meses adoecem menos de diarréia e não apresentam déficits de crescimento, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento (5). Amamentação exclusiva até os 6 meses já era a recomendação governamental brasileira desde o início dos anos 80 (15).
É apenas a partir dos 6 meses de idade que as necessidades nutricionais do lactente não podem ser supridas apenas pelo leite humano (5). Também é a partir dessa idade que a maioria das crianças atinge um estágio de desenvolvimento geral e neurológico (mastigação, deglutição, digestão e excreção) que a habilita a receber outros alimentos que não o leite materno (5,16,17).
Desvantagens da alimentação complementar precoce ou tardia
Vários estudos realizados tanto em países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, como em países industrializados, demonstram que a introdução precoce de alimentos complementares aumenta a morbimortalidade infantil como conseqüência de uma menor ingestão dos fatores de proteção existentes no leite materno, além de os alimentos complementares serem uma importante fonte de contaminação das crianças (18).
Sob o ponto de vista nutricional, a introdução precoce dos alimentos complementares pode ser desvantajosa, pois estes, além de substituírem parte do leite materno, mesmo quando a freqüência da amamentação é mantida (19), muitas vezes são nutricionalmente inferiores ao leite materno (5)- por exemplo, no caso de alimentos muito diluídos. Uma menor duração da amamentação exclusiva não protege o crescimento da criança tão bem quanto a amamentação exclusiva por 6 meses (5,)(20) e não melhora o crescimento da criança (21,22). Após os 6 meses, a substituição de leite materno pelos alimentos complementares é menos importante (5,6).
Além disso, a introdução precoce dos alimentos complementares diminui a duração do aleitamento materno (23), interfere na absorção de nutrientes importantes existentes no leite materno, como o ferro (24) e o zinco (25), e reduz a eficácia da lactação na prevenção de novas gravidezes (26).
Mais recentemente, tem-se associado a introdução precoce da alimentação complementar com o desenvolvimento de doenças atópicas. O aleitamento materno exclusivo reduz o risco de asma, e esse efeito protetor parece persistir pelo menos durante a primeira década de vida, sendo particularmente evidente em crianças com história familiar de doenças atópicas (27). A amamentação exclusiva também parece proteger contra o aparecimento do diabetes melito tipo I. Foi descrito que a exposição precoce ao leite de vaca (antes dos 4 meses) pode ser um importante determinante dessa doença e pode aumentar seu risco de aparecimento em 50%. Estima-se que 30% dos casos de diabetes melito tipo I poderiam ser evitados se 90% das crianças até 3 meses não recebessem leite de vaca (28).
Em alguns países, recomenda-se postergar até o segundo ano de vida da criança a introdução de alguns alimentos específicos considerados altamente alérgenos. Encabeçando a lista está o leite de vaca (responsável por 20% das alergias alimentares), que não é recomendado antes dos 9-12 meses. Na presença de história familiar importante de alergia alimentar, preconiza-se evitar no primeiro ano de vida alimentos como ovo, amendoim, nozes e peixe. Já no caso do mel, a recomendação de evitar o seu uso em menores de 12 meses visa à prevenção de botulismo (29).
Quando a criança não cresce satisfatoriamente com a amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses, antes de se recomendar a introdução de alimentos complementares é necessário realizar uma avaliação criteriosa para ver se a criança não está ingerindo pouco leite materno por má técnica de amamentação, levando a um esvaziamento inadequado das mamas e à conseqüente diminuição da produção do leite. Nesses casos, a conduta de escolha é orientar e apoiar a mãe para que o bebê aumente a ingestão do leite materno e não introduzir a alimentação complementar desnecessariamente (30). É importante lembrar que as atuais curvas de crescimento são predominantemente baseadas em crianças alimentadas com leites industrializados (31) e que o crescimento de crianças amamentadas saudáveis, entre os 3 e 9 meses de idade aproximadamente, é freqüentemente inferior ao de crianças não-amamentadas3 (32), sem que isso, no entanto, implique qualquer desvantagem funcional (33). A OMS recentemente coordenou um estudo multicêntrico em países selecionados, inclusive no Brasil, de acompanhamento do crescimento de crianças em aleitamento materno exclusivo por no mínimo 4 meses e em aleitamento materno complementado até pelo menos os 12 meses. Com os resultados desse estudo, será criada uma nova curva de crescimento para crianças, que será recomendada pela OMS em substituição ao atual padrão de referência do NCHS (34).
Introduzir os alimentos complementares tardiamente também é desfavorável, porque o crescimento da criança pára ou se lentifica, e o risco de desnutrição e de deficiência de micronutrientes aumenta (5,6).
Características da alimentação complementar adequada
Uma alimentação complementar adequada compreende alimentos ricos em energia e micronutrientes (particularmente ferro, zinco, cálcio, vitamina A, vitamina C e folatos), sem contaminação (isentos de germes patogênicos, toxinas ou produtos químicos prejudiciais), sem muito sal ou condimentos, de fácil consumo e boa aceitação pela criança, em quantidade apropriada, fáceis de preparar a partir dos alimentos da família e com custo aceitável para a maioria das famílias (35).
Conteúdo em energia
As estimativas de requerimentos totais de energia e de quantidade de energia a ser fornecida pelos alimentos complementares têm sido feitas em bases teóricas e sofrem limitações devido às peculiaridades metodológicas dos estudos que envolvem crianças menores de 2 anos. Em decorrência disso, essas estimativas têm sido sucessivamente revisadas. Alguns expertos indicaram que as estimativas de energia contidas nas recomendações da OMS de 1998 (6) estavam superestimadas (6,36-39). Então, para a obtenção das estimativas contidas nas recomendações atuais da OMS (3,6), além da revisão das recomendações anteriores (5), foram revisadas as novas evidências surgidas desde 1998 (36).
As atuais estimativas de requerimento total de energia para as crianças menores de 2 anos são baseadas em dados de estudo longitudinal de crianças americanas e são diferenciadas por idade da criança, práticas alimentares (amamentadas e não-amamentadas) e sexo. Na análise, foram consideradas a quantidade total de gasto de energia e a massa e composição corporais. Os dados foram combinados por sexo e, para facilitar comparações, foram apresentados nas mesmas faixas etárias que as utilizadas em recomendações anteriores (36).
O atual requerimento total de energia estimado para crianças amamentadas saudáveis é de aproximadamente 615 kcal/dia dos 6 aos 8 meses de idade, 686 kcal/dia dos 9 aos 11 meses e 894 kcal/dia dos 12 aos 23 meses (3,36). Em relação à recomendação anterior, esses valores são cerca de 5 a 18% menores quando expressos por dia e cerca de 5 a 13% inferiores quando expressos em relação ao peso corporal (36). Não houve mudança nas estimativas de energia transferida do leite materno (3,5,6,36). Diferentemente da recomendação anterior (5), foram excluídas as crianças desnutridas (cujos requerimentos são mais elevados) e considerados apenas os requerimentos de crianças amamentadas, obtendo-se, assim, estimativas de energia possivelmente mais apropriadas para crianças saudáveis e amamentadas. Futuramente, pode ser valioso incluir crianças não-americanas para as estimativas de requerimentos de energia, a fim de atender possíveis diferenças geográficas (36).
Atualmente, as estimativas de energia a ser fornecida pelos alimentos complementares são em torno de 25 a 32% menores que as anteriores36. Estima-se que, para crianças menores de 2 anos em países em desenvolvimento, com uma ingestão média de leite materno para cada idade, os alimentos complementares devam suprir aproximadamente 200 kcal por dia dos 6 aos 8 meses de idade, 300 kcal dos 9 aos 11 meses e 550 kcal dos 12 aos 23 meses. Essas estimativas são diferentes para países industrializados devido a diferenças na ingestão média e na concentração de gordura do leite materno, sendo de 130, 310 e 580 kcal por dia, respectivamente (6).
A criança pequena possui um mecanismo de auto-regulação de ingestão diária de energia muito eficiente. Assim, tende a comer quantidades menores de alimentos mais energéticos (40), embora crianças com dietas com alta densidade energética (número de calorias por unidade de volume ou peso do alimento) tendam a ter uma ingestão diária de energia maior (41). O pequeno volume do estômago da criança pequena (30-40 ml/kg de peso) pode impedi-la de alcançar suas necessidades energéticas se a dieta for de baixa densidade energética. Por outro lado, se a criança recebe grande quantidade de energia dos alimentos complementares, ela poderá reduzir a ingestão de leite materno, o que não é aconselhável, principalmente nas crianças menores.
Portanto, a densidade energética dos alimentos complementares recomendada varia de acordo com a idade da criança, com o quanto ela ingere de leite materno, com a concentração de gordura no leite materno e com a freqüência com que a criança recebe os alimentos complementares. Para uma criança com ingestão média de leite materno e que consome pelo menos três refeições diárias com alimentos complementares, a densidade energética recomendada da dieta varia de 0,6 kcal/g aos 6-8 meses de idade a 1 kcal/g aos 12-23 meses. Quando a ingestão de leite materno é menor ou a criança apresenta retardo no crescimento, a densidade energética deve ser maior, variando de 0,8 a 1,2 kcal/g (5).
As crianças brasileiras menores de 2 anos em geral ingerem quantidades adequadas de calorias, embora a densidade energética das refeições possa ser baixa, o que pode ser reflexo não apenas do tipo de alimento consumido, mas também da sua consistência. Alimentos de consistência “mole”, diluídos, que contêm baixa densidade de energia, são muito utilizados por crianças pequenas no Brasil (42).
Conteúdo em proteínas
A densidade protéica (gramas de proteínas por 100 kcal de alimento) recomendada para os alimentos complementares é de 0,7 g/100 kcal, dos 5 aos 24 meses (7). Na maioria dos países, as necessidades protéicas das crianças pequenas são preenchidas quando há um aporto energético adequado, exceto se há consumo predominante de alimentos pobres em proteínas (exemplos: batata doce e mandioca) (5).
É importante para a criança receber proteínas de alto valor biológico e de melhor digestibilidade, presentes no leite humano e nos produtos de origem animal. Alternativamente, proteína de alta qualidade pode ser fornecida por meio de misturas adequadas de vegetais (ex.: arroz com feijão) (43).
Conteúdo em gordura
Recomenda-se que os lipídeos dos alimentos complementares forneçam cerca de 30 a 45% da energia total (36,)(44), o que é considerado suficiente para assegurar a ingestão adequada de ácidos graxos essenciais, boa densidade de energia e absorção de vitaminas lipossolúveis (6). Gordura adicionada à dieta afeta a densidade geral de nutrientes (5) e, se excessiva, pode exacerbar a má nutrição de micronutrientes em populações vulneráveis (6). Evidências limitadas sugerem que a ingestão de gordura excessiva favorece a obesidade na infância e futura doença cardiovascular (45).
Conteúdo em minerais
Para atender às necessidades nutricionais de minerais da criança, é preciso oferecer uma variedade de alimentos complementares com alta densidade desses nutrientes, já que a quantidade consumida desses alimentos dos 6 aos 24 meses é relativamente pequena (5). Dos 9 aos 11 meses de idade, a proporção de minerais a ser fornecida pelos alimentos complementares é alta, de 97% para ferro, 86% para zinco, 81% para fósforo, 76% para magnésio, 73% para sódio e 72% para cálcio (36).
Ferro
A densidade de ferro recomendada nos alimentos complementares é de 4 mg/100 kcal dos 6 aos 8 meses, de 2,4 mg/100 kcal dos 9 aos 11 meses e de 0,8 mg/100 kcal dos 12 aos 24 meses. Em países em desenvolvimento, devido às baixas densidade e biodisponibilidade do ferro nas dietas (apenas cerca de 11 a 18% de absorção), as necessidades com freqüência não são totalmente supridas (5,46,47). Lactentes de 6 a 12 meses não conseguem consumir quantidade suficiente de alimentos ricos em ferro para atender às suas necessidades (5,48), além do fato de que o custo desses alimentos pode ser proibitivo para famílias de baixa renda (5,49,50). A disponibilidade de alimentos fortificados com ferro é maior em países industrializados do que em países em desenvolvimento(5,50). Essa é uma das razões porque, no Brasil, a anemia por deficiência de ferro é muito freqüente em menores de 2 anos (7).
Os alimentos de origem animal apresentam uma melhor biodisponibilidade de ferro (até 22% de absorção) do que os de origem vegetal (1 a 6%). As carnes (principalmente as vermelhas) e alguns órgãos (sobretudo o fígado) levam vantagem sobre o leite e seus derivados quanto à densidade e biodisponibilidade do ferro. Alguns alimentos contêm quantidades razoáveis de ferro, porém com baixa biodisponibilidade. É o caso da gema de ovo, do feijão, da lentilha, da soja e dos vegetais verde-escuros (acelga, couve, brócolis, mostarda, almeirão). A absorção de ferro dos alimentos de origem vegetal pode ser incrementada se forem consumidos na mesma refeição alguns alimentos como carnes, peixes, frutose e ácido ascórbico (laranja, goiaba, limão, manga, mamão, melão, banana, maracujá, pêssego, tomate, pimentão, folhas verdes, repolho, brócolis, couve-flor). Neste caso, deve-se dar preferência aos alimentos crus e frescos, já que parte da vitamina C é destruída no cozimento (5). Por outro lado, ovos, leite, chá, mate ou café dificultam a absorção de ferro, por formarem precipitados insolúveis com o mesmo. O efeito inibitório dos cereais integrais (arroz, milho, trigo) se deve à presença de fitatos, e não de fibras, que, por si só, não possuem efeito inibidor. Já o leite inibe a absorção do ferro heme e não-heme pelo seu conteúdo de cálcio e, provavelmente, pela presença de fosfoproteínas. O alto consumo de leite de vaca é um dos fatores que contribuem para a alta prevalência de anemia na infância. Em uma coorte de crianças européias, aos 12 meses de idade a concentração de hemoglobina foi reduzida em 0,2 g/dl para cada mês adicional de consumo de leite de vaca não-fortificado (51). Em São Paulo, foi encontrado um risco de anemia 2,2 vezes maior nas crianças de 6 a 59 meses com maior consumo relativo de leite quando comparadas com as de menor consumo (52).
Conteúdo em vitaminas
Vitamina A
Se a mãe tem uma dieta com aporte adequado de vitamina A, a oferta de alimentos complementares ricos nessa vitamina facilmente supre as necessidades do bebê amamentado. Por outro lado, se a mãe vive em área endêmica de deficiência de vitamina A, recomenda-se a suplementação específica da nutriz (53,54) e o consumo, pela criança, de alimentos complementares ricos dessa vitamina (55), preferencialmente ofertados pouco antes ou depois do leite materno, para aumentar a absorção de caroteno e retinol da dieta (5). Os principais alimentos fonte de vitamina A são fígado, gema de ovo, produtos lácteos, folhas verde-escuras e vegetais e frutas de cor laranja (cenoura, abóbora, pimentão vermelho ou amarelo, manga, maracujá, mamão).
Vitamina D
É pequena a contribuição do leite materno e dos alimentos complementares para o suprimento das necessidades de vitamina D, o qual primordialmente depende da exposição direta da pele à luz solar. A ingestão dietética se torna importante apenas em caso de produção endógena inadequada ou depleção de reservas corporais. Em bebês amamentados exclusivamente ao seio e não expostos à luz solar, os estoques de vitamina D existentes ao nascimento provavelmente seriam depletados em 8 semanas (56). Porém, umas poucas horas de exposição à luz solar no verão – 0,5 a 2 horas por semana (17 minutos por dia) com exposição apenas da face e mãos do bebê e 30 minutos por semana (4 minutos por dia) se o bebê estiver usando apenas fraldas (57) – produz vitamina D suficiente para evitar deficiência por vários meses (58,59). Crianças com pigmentação escura da pele podem requerer três a seis vezes a exposição de bebês de pigmentação clara para produzir a mesma quantidade de vitamina D (58,60).
Outras vitaminas
O suprimento de vitaminas como riboflavina, niacina, tiamina, folato e vitamina C pode ser baixo em algumas populações, assim como o de vitamina E, mas são necessárias mais evidências para a formulação de recomendações específicas (3).
A escolha dos alimentos complementares
A criança pode ser alimentada com os alimentos disponíveis para a família, assegurando-se a consistência e a densidade energética adequadas. Preparações que não atinjam a densidade mínima recomendada de energia, tais como sopas, mingaus e leites muito diluídos devem ser evitadas (5).
Do oitavo mês em diante, os alimentos devem ser variados, com misturas balanceadas dos mesmos, contendo cereais, tubérculos, alimento de origem animal, de origem vegetal e gordura (35). Somente uma dieta variada assegura o suprimento de micronutrientes, favorece a formação de bons hábitos alimentares e previne o aparecimento de anorexia decorrente da monotonia alimentar (5). As crianças (e depois, como adultos) tendem a preferir os alimentos da maneira como eles foram apresentados inicialmente. Por isso, é recomendável que se ofereça inicialmente à criança alimentos com baixos teores de açúcar e de sal (35).
É importante assegurar a oferta, se possível diária, de alimentos de origem animal ricos em ferro e de frutas e vegetais, particularmente os ricos em vitamina A (5,37,56). Dietas vegetarianas não fortificadas ou não suplementadas não são recomendadas para crianças menores de 2 anos porque não suprem as necessidades de alguns nutrientes, como ferro, zinco e cálcio (5,6,36,48).
É desaconselhável oferecer leite de vaca não modificado, principalmente quando cru e puro, a menores de 1 ano porque o seu uso está associado a perda sangüínea fecal e deficiência de ferro (61-64). Deve-se evitar também dar bebidas açucaradas (refrigerantes e outras), pois elas diminuem o apetite da criança para alimentos mais nutritivos e podem causar fezes amolecidas (6). Chá e café também são desaconselháveis porque podem interferir na absorção de ferro (5,6).
A Academia Americana de Pediatria recomenda, no máximo, 240 ml/dia de suco de frutas, pare evitar competição com alimentos nutricionalmente mais ricos (6). Há relatos de associação entre consumo excessivo de suco de frutas e falhas de crescimento (64), baixa estatura e obesidade (65), mas mais estudos são necessários para a confirmação desses achados (66).
Para orientar as mães/cuidadores na escolha dos alimentos complementares, o profissional de saúde deve conhecer o conteúdo nutricional dos alimentos locais e sua utilização para a alimentação infantil (5,7,35). Quando necessário, deve consultar tabelas locais de composição de alimentos (6).
Como oferecer os alimentos complementares
Recomenda-se introduzir os novos alimentos gradualmente, um de cada vez, a cada 3 a 7 dias. É muito comum a criança rejeitar novos alimentos, não devendo este fato ser interpretado como uma aversão permanente da criança ao alimento. Em média, a criança precisa ser exposta a um novo alimento de oito a 10 vezes para que o aceite bem (67,68). Crianças amamentadas podem aceitar mais facilmente novos alimentos que as não-amamentadas, pois, por intermédio do leite materno, a criança é exposta precocemente a diversos sabores e aromas, que variam de acordo com a dieta da mãe. Assim, a criança é introduzida desde o nascimento (e provavelmente intra-útero) aos hábitos alimentares da família (69). A consistência inadequada dos alimentos compromete a ingestão adequada de nutrientes pela criança (6). Por isso, no início da alimentação complementar, recomenda-se que os alimentos sejam preparados especialmente para ela. Eles devem ser inicialmente semi-sólidos e macios (sob a forma de purê), devendo ser amassados e nunca peneirados ou liquidificados. Sopas e comidas ralas/moles não fornecem calorias suficientes para suprir as necessidades energéticas das crianças pequenas e devem ser desaconselhadas. A consistência da dieta deve ser aumentada gradativamente, respeitando-se as habilidades da criança (5). A partir dos 8 meses, a criança pode receber os alimentos consumidos pela família, desde que amassados, desfiados, picados ou cortados em pedaços pequenos. Aos 10 meses, a criança já deve estar recebendo alimentos granulosos, caso contrário corre um risco maior de apresentar dificuldades alimentares aos 15 meses (70). Aos 12 meses, a maioria das crianças pode receber o mesmo tipo de alimento consumido pela família, desde que com densidade energética e consistência adequadas (36). A partir de então, deve-se restringir o uso de alimentos semi-sólidos e deve-se evitar alimentos de formato aguçado e/ou consistência dura (ex: cenouras cruas, nozes, uvas), pelo risco de engasgar a criança (35).
Os alimentos complementares devem ser oferecidos à criança utilizando-se colher e copo (6,7), que são bem aceitos por crianças pequenas. Mamadeiras devem ser evitadas porque, além de ser uma fonte de contaminação para a criança, prejudicam a dinâmica oral (71) e podem, principalmente durante o estabelecimento da lactação, confundir o bebê (“confusão de bicos”) (72), expondo-o a um risco maior de desmame precoce (73,74). É importante lembrar que o bebê, ao longo do seu desenvolvimento, não precisa usar mamadeira (35).
Os alimentos complementares podem ser oferecidos tanto antes como após a mamada no seio (5,75).
Em algumas populações, a criança é encorajada a comer apenas quando está doente ou recusa o alimento (76-78). Em outras, como no Brasil, as mães ou cuidadores usam práticas de encorajamento às vezes inadequadas (7). Atualmente, a OMS recomenda às mães/cuidadores de crianças menores de 2 anos a prática de alimentação responsiva, que usa os princípios de cuidados psicossociais ao se alimentar a criança (79,80). A prática inclui o respeito ao mecanismo fisiológico de auto-regulação do apetite da criança, ajudando-a a se alimentar até estar saciada, e requer sensibilidade da mãe/cuidador às indicações de fome e de saciedade da criança. Recomenda-se alimentar a criança lenta e pacientemente até que ela se sacie, jamais forçando-a a comer. As refeições devem ser prazerosas, com troca amorosa entre a criança quem a está alimentando, por meio de contato visual, toques, sorrisos e conversa. Se a criança recusar muitos alimentos, pode-se experimentar diferentes combinações, sabores, texturas e métodos de encorajamento não-coercitivos e que não distraiam a criança da refeição (6). Há evidências de que o estilo mais ativo de alimentar a criança melhora a ingestão de alimentos e o seu estado nutricional (81), bem como seu crescimento (82,83).
Quantidade e freqüência
A pequena quantidade de alimentos complementares inicialmente oferecida deve ser gradativamente aumentada com a idade da criança. A quantidade e a freqüência dos alimentos oferecidos devem basear-se na aceitação da criança, que varia segundo a necessidade individual, a quantidade de leite materno ingerido e a densidade dos alimentos complementares (6,36). Deve-se encorajar a criança a comer até ela ficar saciada (6).
As recomendações atuais sobre a freqüência de refeições com alimentos complementares para a criança amamentada são provenientes de estimativas teóricas baseadas na energia fornecida por esses alimentos, assumindo-se uma capacidade gástrica de 30 g/kg de peso corporal e uma densidade de energia nos alimentos complementares de, no mínimo, 0,8 kcal/g (6,36). As freqüências mínimas de refeições por idade foram calculadas de forma a cobrir com segurança as necessidades de quase todas as crianças (36). Assim, a OMS atualmente recomenda, para as crianças amamentadas, duas a três refeições com alimentos complementares por dia dos 6 aos 8 meses de idade e três a quatro vezes por dia dos 9 aos 24 meses, com lanchinhos nutritivos adicionais (pedacinhos de fruta ou pão, cuscuz, bolo caseiro, macaxeira) uma a duas vezes ao dia a partir dos 12 meses (6). Se a densidade de energia ou a quantidade de alimentos complementares por refeição for baixa, ou se a criança estiver totalmente desmamada, pode ser necessária uma maior freqüência de refeições (3,6,36).
É importante frisar que as refeições com alimentos complementares não substituem (e sim complementam) as mamadas. A freqüência das mamadas ao seio pode ser mantida. Com a introdução da alimentação complementar, a criança naturalmente passará a ingerir menos leite materno. Por isso, deve-se evitar um número excessivo de refeições com alimentos complementares em crianças amamentadas, para não diminuir demasiadamente o volume de leite materno ingerido pela criança (84). Os lanchinhos nutritivos economizam tempo da mãe e contribuem menos para o deslocamento do leite materno (6).
Higiene dos alimentos complementares
Alimentos complementares contaminados são a principal rota de transmissão de diarréia em crianças pequenas (85), razão pela qual a incidência aumentada da doença no segundo semestre de vida coincide com o aumento da ingestão desses alimentos (86). Práticas maternas adequadas de manejo, preparo, administração e estocagem dos alimentos complementares podem reduzir a contaminação dos mesmos (87).
Práticas seguras de higiene dos alimentos complementares incluem o seguinte: lavar as mãos de quem for preparar e oferecer o alimento à criança, e também da criança, com água e sabão após defecação e antes das refeições; manter limpos os utensílios e as superfícies para a preparação e administração dos alimentos; usar apenas alimentos que não estejam danificados e guardá-los em local seguro; preparar o alimento em quantidade suficiente para apenas uma refeição e servi-lo imediatamente após o preparo; alimentar a criança com o auxílio de copo ou xícara, colher e prato, evitando mamadeiras; não dar à criança restos da refeição anterior; e, se usar geladeira, limpá-la regularmente e jogar fora os alimentos estragados (35). Mamadeiras são difíceis de limpar e são uma importante fonte de contaminação. No Peru, 35% dos bicos de mamadeira investigados estavam contaminados com E. coli. Esse microrganismo estava presente em 31% dos chás oferecidos em mamadeiras, mas em apenas 2% dos servidos em copos (85).
Se o alimento complementar for estocado após o preparo, é indispensável que o seu reaquecimento atinja, no mínimo, 70 C. Do contrário, é alto o risco de contaminação (35). A prática de estocar alimentos preparados deve ser desestimulada. No Brasil, esta é uma prática encontrada particularmente entre pessoas cuja disponibilidade de tempo e condições financeiras são restritas (7). É uma prática perigosa, que deve ser sistematicamente investigada, uma vez que, por ser socialmente não-aceitável, geralmente não é relatada espontaneamente pelas mães (88).
A adoção de práticas adequadas de higiene dos alimentos complementares pode ser dificultada por barreiras como falta de água limpa, sabão e utensílios, mas pode ser substancialmente facilitada por intervenções educativas cuidadosamente planejadas (6,89). Em Fortaleza, um estudo para testar a viabilidade de mudança de práticas de higiene dos alimentos complementares conseguiu promover, com sucesso, em mais de 50% das mães, todas as vezes em que alimentavam seus bebês, as práticas de não estocar alimento já preparado, alimentar utilizando copo e colher em vez de mamadeira, lavar as mãos antes de dar o alimento à criança e ferver a água utilizada para a diluição de leites e mingaus de preparação instantânea. Os aspectos culturais da mãe (crenças e conceitos sobre alimentação, nutrição e saúde infantil) e as condições de vida observadas diretamente nos domicílios foram considerados na formulação das mensagens educacionais, e as mães foram convidadas a participar como co-investigadoras, para que informassem da viabilidade ou não de praticar as novas mensagens recomendadas. As práticas promovidas foram constatadas também por meio de observação direta nos domicílios (88,89).
Suplementação de ferro e de vitaminas
Ferro
A amamentação exclusiva supre as necessidades de ferro nos primeiros 6 meses de vida em crianças nascidas a termo, com bom peso e com mães não deficientes em ferro, graças às suas reservas desse micronutriente. A partir dos 6 meses, no entanto, as reservas hepáticas se esgotam, e as necessidades de ferro precisam ser supridas através dos alimentos complementares. É importante salientar que as crianças pré-termo e com baixo peso de nascimento nascem com menos reservas de ferro e, por isso, devem receber suplementação com ferro antes dos 6 meses (90).
A OMS, juntamente com o UNICEF, recomenda suplementação com sulfato ferroso na dose de 12,5 mg de ferro por dia para crianças de 6 a 24 meses que não têm acesso a alimentos enriquecidos com ferro. Crianças nascidas com baixo peso devem iniciar a suplementação com 2 meses de idade (91). Em populações em que a prevalência de anemia é maior que 40%, a OMS e o UNICEF recomendam prescrição universal de suplementação com ferro. No Brasil, estudo em São Paulo mostrou que a prescrição universal de doses semanais de sulfato ferroso (4 mg de ferro elemento/kg) para crianças de 6 a 59 meses participantes de programas governamentais de saúde pública reduziu em mais de 50% a prevalência de anemia e foi particularmente efetiva no controle da anemia em menores de 2 anos (92). Em municípios selecionados na Região Nordeste e em Goiás, o Ministério da Saúde (MS) executa, para as crianças de 6 a 24 meses, um programa de redução da anemia ferropriva, distribuindo sulfato ferroso para a administração de doses semanais de 45 mg de ferro elementar. O medicamento é distribuído em frascos de 30 ml contendo 25 mg de ferro/ml; 2 ml da solução são administrados semanalmente sob acompanhamento e orientação de agente comunitário de saúde para a mãe ou quem cuida da criança. A ação atingiu, em 1999, um total de 336.500 crianças de 6 a 24 meses de 512 municípios da Região Nordeste. O MS planeja expandir essa ação a todos os municípios onde estejam atuando agentes comunitários (93). A prevenção global no país inclui também a fortificação obrigatória com ferro de parte da produção brasileira das farinhas de trigo e milho.
O Departamento Científico de Nutrição da Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que, profilaticamente, seja dado ao recém-nascido a termo e com peso adequado para a idade gestacional, dos 6 aos 24 meses de vida, 1 mg/kg/dia de ferro elementar, ou dose semanal de 45 mg, exceto para as crianças recebendo fórmulas infantis fortificadas com ferro. Para os prematuros e recém-nascidos de baixo peso, a recomendação é dar, a partir do 30º dia, 2 mg/kg/dia durante 2 meses. Após esse período, a recomendação é a mesma que para os recém-nascidos normais (94).
Vitaminas
Em geral, a criança amamentada exclusivamente por uma mãe que não tem carência vitamínica não necessita de suplementação com vitaminas, com exceção da vitamina K (que é administrada de rotina nas maternidades). No entanto, em algumas situações, faz-se necessária a suplementação de algumas vitaminas específicas.
Vitamina A
No Brasil, o MS distribui megadoses de vitamina A nas áreas de alta prevalência de deficiência de vitamina A (Região Nordeste e Vale do Jequitinhonha), que são registradas no Cartão da Criança. A vitamina A é fornecida sob a forma de cápsulas de 100.000 UI ( para crianças de 6 a 11 meses de idade) e de 200.000 UI (para crianças de 12 a 59 meses), que são administradas a intervalos de 4 a 6 meses durante as campanhas de imunização ou na rotina dos serviços de saúde e agentes comunitários de saúde (95,96). Em crianças amamentadas, a oferta de vitamina A pode ser aumentada por intermédio da suplementação à mãe (5).
As recomendações do Departamento Científico de Nutrição da Sociedade Brasileira de Pediatria são semelhantes às do MS (97).
Vitamina D
Organizações internacionais como o UNICEF reconhecem que a suplementação de vitamina D (200 a 400 UI/dia) é necessária quando a exposição à luz solar é inadequada e que alguns bebês têm um risco mais alto de deficiência de vitamina D que outros (98). Entre os fatores de risco para deficiência de vitamina D encontram-se: deficiência materna de vitamina D durante a gravidez, confinamento durante as horas de luz diurna, viver em altas latitudes, viver em áreas urbanas com prédios e/ou poluição que bloqueiam a luz solar, pigmentação cutânea escura, uso de protetor solar, variações sazonais, cobrir muito ou todo o corpo quando em ambiente externo e substituição do leite materno por alimentos pobres em cálcio ou alimentos que reduzem a absorção de cálcio (99).
A Academia Americana de Pediatria recomenda que todas as crianças americanas consumam no mínimo 200 UI de vitamina D por dia, sendo que crianças amamentadas devem receber suplementação medicamentosa99. Essa recomendação é controvertida e tem custo proibitivo para países em desenvolvimento (99,100).
Promoção da alimentação complementar saudável
A maioria dos estudos mostra que a melhoria da dieta da criança tem impacto positivo sobre o crescimento infantil. Uma revisão sistemática recente demonstrou que, de 14 estudos de intervenção alimentar, 12 tiveram efeito positivo no crescimento, sendo que em cinco foram utilizados alimentos suplementares, em dois foram usados preparados especiais e em quatro foi oferecido apenas aconselhamento nutricional. É interessante mencionar que as intervenções que utilizaram aconselhamento, além do impacto positivo no crescimento, também melhoraram as práticas maternas, a dieta infantil, além de reduzir as taxas de anemia e melhorar o desempenho dos profissionais (101).
No Brasil, no período de 1998 a 2002, por iniciativa do MS e apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), foram elaboradas as recomendações alimentares para crianças menores de 2 anos. Esse trabalho, que contou com a participação de cerca de 300 profissionais de saúde e nutrição de todo o país, foi embasado em diagnóstico prévio da situação alimentar e nutricional das crianças nessa faixa etária e nos resultados de um estudo nacional qualitativo sobre as práticas maternas de alimentação de menores de 2 anos realizado na ocasião. O conjunto de recomendações foi denominado de “Os 10 passos para a alimentação saudável da criança menor de dois anos” (7) e está sendo implementado em todo o país desde 2002 (Tabela 1) (7). O documento técnico completo que deu origem aos guias alimentares pode ser obtido no website da OPS/Brasil (102), e o manual para os profissionais de saúde (95), por solicitação à Coordenação Geral de Políticas de Alimentação e Nutrição do MS e respectivas representações estaduais.
Tabela 1 –
Os 10 passos para a alimentação saudável da criança menor de 2 anos
Em relação às atuais recomendações internacionais, as recomendações brasileiras (7) diferem apenas em relação à freqüência de refeições, que foi baseada nas recomendações anteriores da OMS (5). Em relação à nova recomendação da OMS sobre alimentação responsiva (6) – encorajar a criança a comer e quantidade de alimentos complementares ofertados definida pela aceitação da criança -, ela já está sendo implementada, com ênfase na paciência que requer alimentar uma criança e no reforço da relação amorosa entre mãe e criança durante a refeição.
É importante lembrar que, embora haja recomendações científicas corretas, o sucesso da promoção da alimentação complementar, em última instância, ocorre apenas quando as mães/cuidadores conseguem colocá-las em prática (3). Para isso, são essenciais: definição de mensagens educacionais efetivas para atingir a adoção de práticas mais positivas (89,103,104); conhecimento dos conceitos e opiniões das mães sobre a alimentação das crianças pequenas (105); reconhecimento e valorização, pelo profissional de saúde, da capacidade da mãe/cuidador como elemento-chave para a saúde da criança; ajuda prática do profissional de saúde, inclusive, quando necessário, ajudando a mãe a executar as práticas de alimentação da criança até que ela aprenda a fazê-lo sozinha (106); e identificação e valorização das características maternas que fazem o diferencial qualitativo das mães que têm práticas positivas de alimentação de suas crianças, mesmo quando vivendo em condições desfavoráveis (107).
Considerações finais
A alimentação complementar adequada da criança amamentada é crítica para o ótimo crescimento e desenvolvimento da criança e, portanto, torna-se um componente essencial para a segurança alimentar e nutricional populacional e para o desenvolvimento da nação. A segurança alimentar e nutricional implica garantia do direito ao acesso permanente aos alimentos, alimentação adequada em quantidade e qualidade, práticas alimentares saudáveis e respeito às características culturais de cada povo. Como se trata de um direito das crianças pequenas e suas mães, cabe ao Estado garanti-lo, em articulação com a sociedade civil. Aos profissionais de saúde cabe repassar os conhecimentos atuais sobre alimentação infantil adequada, visando promover o crescimento e o desenvolvimento ótimos da criança. Este artigo apresenta as recomendações nacional e internacional para a promoção da alimentação complementar saudável. O desafio é conseguir repassá-las efetivamente à população e, sobretudo, às mães e cuidadores das crianças.