ALEITAMENTO e a INICIATIVA HOSPITAL AMIGO da CRIANÇA: + EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
Aleitamento materno e a Iniciativa Hospital Amigo da Criança: mais importante e com mais evidências do que nunca
Breastfeeding and Baby-Friendly Hospital Initiative: more important and with more evidence than ever
Miriam H. Labbok
J Pediatr (Rio J). 2007;83(2):99-101
O aleitamento materno é um elemento primordial para a saúde e sobrevivência da criança e é reconhecido como tal há milênios. Com a comercialização de fórmula láctea no século XX, um experimento sem precedentes seria realizado com as mães e crianças. Em seu tratado intitulado “Milk and murder” (“Leite e assassinato”) em 1939, a Dra Cicely Williams descreveu os perigos de se interromper o aleitamento materno: “Se suas vidas fossem tão amargas quanto a minha, ao ver esse massacre de inocentes, dia após dia, devido a uma alimentação inadequada, então creio que vocês se sentiriam como eu me sinto, isto é, que a propaganda mal direcionada sobre a alimentação infantil deveria ser punida como a forma mais criminosa de sublevação, e que essas mortes deveriam ser consideradas assassinatos”.*
Contudo, a fabricação de fórmulas lácteas tornou-se uma indústria de sucesso, notabilizando-se por um marketing agressivo dirigido ao público, profissionais da saúde, enfermeiros, pediatras e afins. À medida que as mulheres nos países industrializados começaram a entrar no mercado de trabalho em grande número, o mercado para produtos alimentícios comerciais aumentou. A fórmula láctea passou a ser considerada como “moderna”, e os riscos associados à falta do aleitamento materno foram compensados pelo isolamento de lactentes e pelo desmame precoce. As mulheres jovens não cresceram em contato com o aleitamento materno, e nem ficavam sabendo dele por outras pessoas. Conseqüentemente, lá pela metade do século, as habilidades maternas associadas ao início e à manutenção do aleitamento materno corriam o risco de se perder em muitos lugares ao redor do mundo.
A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) surgiu como resultado de vários eventos de saúde e de políticas de saúde. Após a sanção do Código Internacional de Marketing dos Substitutos do Leite Materno no início dos anos 80, reconheceu-se que, depois de aproximadamente 50 anos de marketing incisivo sobre fórmulas lácteas, os profissionais da saúde e também as próprias mulheres não apresentavam mais as habilidades associadas ao aleitamento materno bem sucedido. O Sr. James Grant, Diretor da UNICEF, implementou uma campanha extremamente direcionada para reduzir a mortalidade infantil: GOBI – Growth monitoring, oral rehydration, breastfeeding and immunization (Monitoramento do crescimento, reidratação oral, aleitamento materno e imunização). Em seguida, os 10 Passos para o Aleitamento Materno Bem Sucedido foram desenvolvidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) de uma maneira bastante cooperativa e abrangente a fim de fornecer diretrizes simplificadas para os profissionais da saúde, especialmente aqueles que trabalham nas maternidades, no que diz respeito aos elementos básicos do suporte ao aleitamento materno.
Posteriormente, naquela mesma década, as equipes técnicas da UNICEF, da OMS, da United States Agency for International Development (USAID) e da Swedish International Development Cooperation Agency (Sida) realizaram reuniões para discutir como o aleitamento materno aperfeiçoado deveria ser implementado. Após várias conferências direcionadas aos profissionais de saúde1 e uma consulta técnica à OMS2, foi realizada uma reunião no Centro Innocenti da UNICEF em Florença, Itália, cujos resultados ficaram conhecidos como a Declaração de Innocenti. Essa Declaração requeria a implementação do Código e dos 10 Passos, além de proteção à maternidade e outras leis e regulamentos inovadores, com o objetivo de que todas as maternidades do mundo pudessem atingir os 10 Passos até 1995.
De acordo com precedentes históricos, esse objetivo era um pouco otimista demais. Todavia, a história, juntamente com uma literatura cada vez mais abrangente de estudos bem delineados, nos diz que a Declaração de Innocenti foi, na verdade, uma excelente estratégia. A Iniciativa Hospital Amigo da Criança, programa desenvolvido para a implementação dos 10 Passos, vem demonstrando um impacto profundo ao nível hospitalar individual. Talvez, as demonstrações mais bem difundidas desse fato são os estudos PROBIT3 (Promotion of Breastfeeding Intervention Trial) que mostraram não apenas que os 10 Passos poderiam aumentar o aleitamento materno, mas também que esse aumento está comprovadamente associado a uma variedade de resultados positivos. Um aspecto da IHAC – as 18 horas, ou aproximadamente 3 dias, de treinamento, incluindo sessões práticas e habilidades de aconselhamento, é eficaz no momento em que muda não apenas as práticas hospitalares, mas também o conhecimento dos profissionais da saúde, e as taxas de aleitamento materno. Esses achados, isto é, melhores habilidades dos profissionais da saúde e melhores taxas de aleitamento materno4,5, eram os objetivos da IHAC. Através da revisão periódica dos números de maternidades que já foram consideradas como amigas da criança, a UNICEF relata que, até o final de 2005, quase 20.000 maternidades haviam sido designadas como tal em algum momento6. Não existem dados sobre quantas dessas instituições atendem aos princípios da IHAC.
Há apenas um número limitado de estudos que tentam mostrar o impacto da IHAC ao nível populacional. Recentemente, um estudo sobre o impacto da IHAC na Suíça7 confirmou que a IHAC está associada a melhores resultados. Abordou-se também a questão da auto-seleção, ou seja, a preocupação de que os hospitais amigos da criança tenham melhores resultados apenas porque as mulheres que querem amamentar escolhem dar à luz nesses hospitais. Os autores descobriram que a duração do aleitamento materno exclusivo e total foi significativamente maior quando o parto ocorria em um hospital amigo da criança com alta conformidade às diretrizes da UNICEF8. Este estudo confirmou que na verdade são as práticas associadas à IHAC, e não o “rótulo” de hospital amigo da criança, que estão relacionados com os resultados positivos.
Talvez seja necessário retroceder um pouco e fazer a seguinte pergunta: O aleitamento materno vale todo esse esforço que vem se fazendo hoje? Desde a Declaração de Innocenti, o aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida aumentou substancialmente, de 34 para 41%. Esse aumento pode muito bem ter contribuído para a redução concomitante na mortalidade infantil nos países em desenvolvimento, o que está muito bem documentado. Quanto à importância do aleitamento materno nesse aspecto, caso tenha havido alguma dúvida desde o estabelecimento da base técnica para a Declaração de Innocenti, essas preocupações deveriam ter sido eliminadas com a publicação da série Child Survival da Lancet9 e das recentes meta-análises sobre o impacto do aleitamento materno a longo prazo10. A série da Lancet apresentou uma lista das intervenções que poderiam reduzir a mortalidade infantil, conforme estabelecido nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em especial o Objetivo 4. A intervenção com o melhor potencial para salvar vidas foi o aleitamento materno exclusivo, com aleitamento contínuo no primeiro ano de vida. Essa intervenção, tão somente, seria capaz de prevenir 1 a cada 7,5 mortes infantis, fornecendo uma programação para a obtenção desse Objetivo do Milênio. Mais recentemente, uma meta-análise da OMS sobre o impacto a longo prazo do aleitamento materno sobre a saúde esclareceu os riscos significativos associados à ausência do aleitamento materno.
Contudo, a comunidade global ainda não viu isso como um sinal para redobrar os esforços; os tomadores de decisões do programa e angariação de fundos continuam a desafiar esses estudos e as várias avaliações que documentam o impacto do aleitamento materno e o fato de que a IHAC aumenta as taxas de aleitamento materno; é muito mais difícil demonstrar os custos e efeitos de se tentar criar uma grande mudança social e comportamental em uma equação simples de “lucro vs. resultados” que documentar o custo de entrega de uma mercadoria, tal como uma pílula ou mosquiteiro, por exemplo. Por causa disso, os analistas de rentabilidade e de custo-benefício tendem a se esquivar de suas responsabilidades quando se trata do custo-benefício da IHAC. Conseqüentemente, os maiores esforços internacionais para a sobrevivência das crianças hoje parecem estar transferindo o suporte ao aleitamento materno do sistema de saúde para a comunidade, apesar do impacto que tem sido atingido e que continuará sendo atingido onde quer que a IHAC seja implementada.
Um dos principais obstáculos ao estabelecimento da relação custo-benefício da IHAC é o número restrito de estudos com dados populacionais sobre essa intervenção. O estudo de Antônio Caldeira e Eduardo Gonçalves11, apresentado neste número da revista, intitulado “Avaliação do impacto da implementação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança” nos fornece dados populacionais sobre uma iniciativa realizada na região urbana de Montes Claros. Os aumentos no aleitamento materno exclusivo, de 25% para 40% em cada um dos primeiros 5 meses pós-parto, não podem continuar sendo explicados pelo tempo ou outras intervenções ao nível nacional.
Além disso, este artigo demonstra que uma intervenção tão bem planejada como essa, que garante que uma área populacional inteira receba essa cobertura, terá um impacto não apenas sobre o início do aleitamento materno e sua curta duração, mas também terá um impacto ao nível comunitário, garantindo maior duração do aleitamento materno exclusivo e de qualquer aleitamento materno.
Hoje, a IHAC já tem 15 anos. Nessa idade, pode-se dizer que ela se encontra em sua adolescência – crescendo, mudando, e passando por revisões para se ajustar às necessidades de adaptação, expansão, integração e sustentabilidade. No Brasil, como na maioria dos outros países, a IHAC contribuiu para o aumento constante no aleitamento materno exclusivo e total12. Portanto, a UNICEF e a OMS revisaram as diretrizes para a implementação da IHAC aos níveis nacional e hospitalar, bem como os materiais para os tomadores de decisões, treinamento, e avaliação. Esses materiais estão disponíveis para uso e para revisão final e espera-se que sejam finalizados este ano.
Os quatro pilares do programa – proteção legal para proteção à maternidade e contra o marketing agressivo das fórmulas comerciais, treinamento dos profissionais da saúde, IHAC e suporte comunitário – são necessários para a continuidade dos resultados positivos obtidos com o aleitamento materno exclusivo desde 1990. Com os novos materiais e a disponibilidade de novos dados, a IHAC deve continuar a receber nosso apoio e atenção.
* Muitos anos depois, tive o privilégio de estudar com a Dra Williams, o que certamente contribuiu para a minha compreensão acerca da necessidade do aleitamento materno e para minha dedicação ao binômio mãe/filho.
Miriam H. Labbok – MD, MPH, FACPM, IBCLC, FABM. Professor and Director, Center for Infant and Young Child Feeding and Care, Department of Maternal and Child Health, School of Public Health, University of North Carolina, Chapel Hill, NC, USA.