Série de pesquisas publicadas pela revista científica The Lancet destaca necessidade urgente de proteção mais forte à amamentação; dados enviesados e lobby de indústrias devem ser abolidos; licença e apoio de políticas públicas devem ser priorizados.
Essa série de publicações sobre amamentação lançada na noite desta terça-feira (7) pela revista científica The Lancet mostra como a indústria de fórmulas infantis utiliza o desconhecimento e o desejo de mães e pais de oferecerem o melhor aos seus filhos para aumentar as vendas, reduzindo a oferta de leite materno.
O professor Nigel Rollins, cientista da Organização Mundial da Saúde, OMS, e autor de um artigo sobre comercialização de leite em pó, avalia que o estudo destaca o vasto poder econômico e político das grandes empresas, bem como graves falhas de políticas públicas que impedem milhões de mulheres de amamentar seus filhos.
A venda de fórmula infantil chega a US$ 55 bilhões por ano.
Defesa da amamentação
Os estudos mostram que as ações das indústrias de laticínios e fórmulas lácteas aumentam os desafios como a ansiedade em relação à amamentação e aos cuidados infantis.
O acadêmico defende que são necessárias ações em diferentes áreas da sociedade para apoiar as mães a amamentarem pelo tempo que quiserem, juntamente com esforços para combater as táticas de venda de leite em pó.
A OMS reforça que a amamentação oferece imensos benefícios para bebês e crianças pequenas, fornecendo energia e nutrientes, reduzindo os riscos de infecção e diminuindo as taxas de obesidade e doenças crônicas na vida adulta.
No entanto, globalmente, apenas cerca de 50% dos recém-nascidos é amamentado na primeira hora de vida e menos da metade dos bebês menores de seis meses recebem o leite materno, exclusivamente, de acordo com as recomendações da OMS.
Dadas as contribuições significativas da amamentação para a saúde, a série de pesquisas recomenda um apoio muito maior ao aleitamento nos sistemas de saúde e proteção social, incluindo a garantia de licença maternidade remunerada.
Proteção materna
Segundo as pesquisas, atualmente, cerca de 650 milhões de mulheres carecem de proteção adequada à maternidade.
A série publicada pela revista The Lancet explica como o marketing de leite em pó explora a falta de apoio ao aleitamento materno por parte dos governos e da sociedade, enquanto faz uso indevido da política de gênero para vender seus produtos.
Isso inclui enquadrar a defesa da amamentação como um julgamento moralista, ao mesmo tempo em que apresenta a fórmula láctea como uma solução conveniente e autônoma para as mães que trabalham.
Mudanças em toda a sociedade
As constatações dos estudos apontam que além de acabar com as táticas de marketing exploradoras e a influência da indústria, são necessárias ações mais amplas nos locais de trabalho, saúde, governos e comunidades.
As iniciativas devem apoiar efetivamente as mulheres que desejam amamentar, de modo que se torne uma responsabilidade social coletiva, em vez de penalizar as mães.
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Em particular, os autores destacam a necessidade de garantir que as mulheres tenham proteção adequada à maternidade garantida por lei, incluindo licença maternidade remunerada que se alinhe, no mínimo, com a duração recomendada pela OMS de seis meses para amamentação exclusiva.
Para eles, as proteções à maternidade devem ser estendidas a mulheres que trabalham no setor informal e que atualmente estão excluídas desses benefícios,
Trabalho informal e doméstico
Além da licença, os autores pedem reconhecimento formal sobre a contribuição do trabalho não remunerado delas para o desenvolvimento nacional.
Globalmente, estima-se que as mulheres desempenhem três quartos de todo o trabalho não remunerado de cuidados familiares, três vezes mais que os homens. Segundo dados, isso contribui para cerca de um terço do Produto Interno Bruto de um país.
A expansão do treinamento para profissionais de saúde sobre amamentação é fundamental, afirmam os documentos, para que possam oferecer aconselhamento qualificado aos pais antes e depois do nascimento.
Aluisio de Barros, professor na Faculdade de Medicina da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) e um dos autores da série, afirma que nem todos os problemas reportados no documento são observados no Brasil porque o país é signatário do Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno, de 1981. Não temos aqui, por exemplo, fórmulas com embalagens que mostram bebês de óculos usando ábacos.
Por outro lado, algumas conquistas do país estão ameaçadas, relata o epidemiologista Cesar Victora, professor emérito da UFPel e autor da série, que, além de pesquisadores brasileiros, conta com cientistas de países como Estados Unidos, México, Austrália, Guiné Equatorial, Suíça e Malásia.
“Estudo amamentação há mais de 40 anos e não conheço nenhum país do mundo que tenha feito tanto progresso em aumentar a duração da amamentação quanto o Brasil. Nos anos 80, a duração média de amamentação no Brasil era de dois meses e meio e a amamentação exclusiva praticamente não existia, todas as mães davam água, chá ou outro leite além do leite materno. Agora, a duração média da amamentação no país é de mais de 12 meses”, conta.
O epidemiologista atribui o sucesso ao controle da propaganda das fórmulas e ao treinamento dos profissionais de saúde. Porém, acrescenta ele, há uma “uma nova geração de profissionais que precisa ser treinada sobre os benefícios do aleitamento”.
Outra medida importante para o país, diz Victora, seria a retomada das campanhas sobre as vantagens do aleitamento.
“Faz tempo que não vemos essas campanhas, tão comuns há 20 anos. Este é o grande desafio: retomar o que tínhamos. Já alcançamos muito e precisamos voltar a ter essa iniciativa promocional, senão corremos o risco de um retrocesso nos níveis de amamentação no Brasil.”
Fonte: ONU News + Folha de São Paulo